sexta-feira, 23 de junho de 2017

Amores possíveis, paixões impossíveis 

Parte I
Um dia os olhares se cruzaram, em meio a tantas pessoas, ele chamou atenção, apesar do jeito desajeitado, desarrumado e mal-humorado. Como alguém tão desenxabido podia despertar atenção?  Outros encontros ocorreram anos antes, ele não tinha nenhum registro, o que a deixava confortável, com certa vantagem.
O tempo passou, um ano depois, pensamentos e coração ocupados. Naquela noite, o notebook é seu confidente e companheiro, uma taça de vinho tinto a encorajava a escrever... O frio incomoda, o pensamento inquieto, os sentimentos confusos. Um emaranhado de emoções, sensações e medos, de todos os lados.
No início ele demonstrava todo seu desejo, os toques, os abraços e os beijos roubados, _ como são doces os beijos roubados. A maturidade lhe favorecia, um certo ar de mistério, um jeito rústico de ser. Aquele homem que apesar de um coração solidário, hora ou outra era ríspido, rude e indiferente, vivia um carrossel de emoções e desejos, que provocava mudanças bruscas de humor. O mal humor era seu companheiro diário, a insatisfação e o medo de declarar seus sentimentos, o levavam para sua caverna impenetrável. Lá se mantinha acolhido e protegido de si mesmo.
Seu coração disparava, sentia um frio na barriga, aquela emoção provocava arrepios, o abraço era longo e apertado, a respiração ofegante demonstrava a emoção a flor da pele. Era uma paixão, nunca haverá amor sem paixão, mas poderá haver paixão sem amor.  O sentimento intenso, denso e arrebatador não era esperado. Aquela ânsia, o desejo, a sensação de plenitude que sentia ao olhar para ela, o deixava confuso, sentimentos complexos com quais ele não sabia lidar, a ausência de controle era algo que o deixava sem rumo, frágil e amedrontado.
Ela lembrava de alguns momentos que viveram nos últimos meses. Como aquele homem tão casmurro podia ser, vez ou outra, tão disponível, romântico e sensível às emoções? Por que ela nunca se permitiu viver aquele sentimento? Era paixão versus amor? Ele estava apaixonado e ela o amava? Ele repetira que havia uma tênue linha entre o amor e o ódio, sempre que ela dizia que ele a odiava. Algumas vezes ele, entre brincadeiras de amigos, dizia que a amava. Ela não acreditava.
Fitou a sala vazia, pensou em abandonar seu notebook e ir para cama, o controle remoto da TV a fez passear entre o jogo do Corinthians e os canais de música. Uma música chamou sua atenção, em algum momento eles ouviram juntos aquela melodia. Um suspiro profundo como se fosse possível sentir o cheiro dele. Fechou os olhos e foi capaz de avistar o rosto, os cabelos grisalhos, a pele descuidada, o ar rustico, característica marcante. Ah! o cheiro de mar na pele...
Ela sai, no carro uma música a faz relembrar de alguns momentos intensos. A música: Quem de nós dois, de Ana Carolina diz: “Eu e você, não é assim tão complicado, não é difícil perceber, quem de nós dois vai dizer que é impossível, o amor acontecer”. Ela sorri e pensa quem diria que eles se apaixonariam...  A música continua:  “se eu disser que já nem sinto nada, que a estrada sem você é mais segura. Eu sei, você vai rir da minha cara, eu já conheço o teu sorriso, leio o teu olhar. Teu sorriso é só disfarce e eu já nem preciso... Sinto dizer que amo mesmo, tá ruim pra disfarçar. Está ruim para disfarçar o que eles sentem um pelo outro. Ele conhece muito dela, o que a incomoda. Ela sabe muito bem quando ele tentar disfarçar, já sabe quando ele está de mal humor e quanto ele fala com o olhar.
Nos momentos seguintes ela se delicia com suas lembranças daqueles momentos que viveram juntos. Ela lembra dos dois, ela sentia frio e deixou seus pés embaixo das pernas dele enquanto bisbilhotavam no computador. Depois de uma conversa com um e outro amigo, eles se aproximam, os corpos estremecem, os olhos se cruzam, os rostos se tocam suavemente, sentem a respiração um do outro.
As mãos entrelaçadas, os corpos se encostam e eles se entregam ao desejo, os lábios se roçam suavemente, a boca entreaberta, um toque suave, o beijo é ardente, intenso e provoca um desejo incontrolável. Eles tentam resistir, de modo quase infantil, sem ao menos entenderem porque estavam agindo assim...
A porta se fecha, um último olhar. Depois, uma mensagem provocante e uma resposta de quem está embaraçado. No dia seguinte, apenas conversas profissionais. Como se nada houvesse acontecido. Eles se encontravam todos os dias, os beijos roubados se tornam uma marca da relação deles. Pouco se importavam com os olhares dos outros, eles esqueciam que deviam ser discretos. Mas o desejo era mais forte...
A essa altura, a taça de vinho já havia sido substituída por uma big xícara de chá de hortelã. A madrugada apresentava filmes idiotas, as músicas eram tediosas. Uma comédia, ela para e pensa em assistir, mas pensar nele era mais interessante, ela continua escrevendo e navegando por seus pensamentos e sentimentos...
O dia está amanhecendo e ela abstraída em seus devaneios...

Parte II
O dia amanheceu, ela está absorta em seus compromissos, entre muitas anotações e uma agenda corrida,  toma uma xícara de café e pensa em seu amor. Ela ri sozinha ao lembrar do jeito atrapalhado e desajeitado de seu amado. Como o amor pode aproximar duas pessoas tão diferentes? Como duas pessoas tão diferentes podem ser tão parecidas?
Para muitas pessoas eles eram parecidos, enquanto ela achava que eram opostos. Ele identificava as semelhanças que existiam entre eles, talvez sentia-se incomodado ao ver nela um reflexo dele mesmo.  Seria tão evidente o sentimento que nutriam um pelo outro? Ela acreditava que as pessoas próximas não percebiam os gestos, os cuidados, os beijos roubados e as provocações que faziam, procurava tomar cuidado com o olhar, sempre fugia do olhar dele. Tinha certeza que o olhar os denunciaria.
Muitas noites eles conversavam até tarde, compartilhavam as angústias do dia, dividiam situações que vivenciavam juntos, procuravam no outro as respostas para as dúvidas e o apoio para as tomadas de decisões. Eram parceiros de trabalho, naquele momento. Dividiam objetivos, propostas e ideais, eram cúmplices e enamorados. Quando ele estava irritado e mal-humorado, ela era seu porto seguro, o jeito de falar o deixava mais tranquilo, calmo. Talvez ela fosse capaz de mostrar que a vida pode ser vivida com mais amor, menos cobrança e mais leveza.
O dia passa rapidamente, eles não se encontram. O telefone dela toca. A voz do outro lado é irritadiça:
 _ Onde você está? – Diz ele.
Ela respira profundamente, já havia mencionado o quanto a irritava esse questionamento.
_ Na cidade. – Responde ela com certa ironia.
Ele pede que ela o aguarde, precisa conversar.
Ele chega, exausto e irritado. Despeja sobre ela todas as angustias do dia e as irritações. Muitas coisas menores o deixavam irritado. Ela se perguntava se era imaturidade, ou se ele estava tão sensível que pequenos desencontros do dia a dia, causavam nele tamanha instabilidade. Como sempre ocorria, ela o acalmou, mostrou novos ângulos para os problemas trazidos. E horas depois eles riam dele e daqueles que o haviam irritado tanto. Ela estava feliz, conseguia rapidamente faze-lo se acalmar, mas não era sempre assim.
No início, quando ele se irritava ela também se irritava. E eles discutiam ferrenhamente, desligavam o telefone enquanto o outro falava, gritavam um com o outro, por pouco não se agrediam fisicamente. Ela lembra de uma situação em que ele não queria que ela fizesse algo corriqueiro, e para impedi-la de passar segurou-a pelo braço com tamanha força que deixou uma marca. Ela se irritou e quase bateu nele, mas foi interrompida por um amigo que perguntou rindo: _ vocês vão chegar as vias de fato? Devo ficar aqui ou querem que eu saia?
Eles se olharam e riram.
Ela chega em sua casa, toma um banho quente, a noite está fria. Prepara um delicioso caldo de legumes, pega uma taça de vinho tinto e vai para sua sala. Seu fiel confidente, o notebook, já está a sua espera. Ela busca um cobertor porque a noite está gelada. E começa a escrever um pouco mais sobre a história deles:
“O cenário era hipnotizante. O mar verde se encontrava com o azul do céu no horizonte até onde o olhar não alcançara. A brisa que soprava do mar mantinha o ambiente agradável e aconchegante. O barco de metal era imponente e altivo, mantinha-se estático e envolvente, todos percebiam sua grandiosidade. Era um monumento que representava o poder e se harmonizava com o meio onde se encontrava. Para alguns uma evolução, para outros um marco negativo tingindo a beleza daquele cenário estonteante.
O fato é que o barco de metal, tinha em seu comando um capitão que há muito não navegava por outros mares, mantinha-se aprisionado como seu barco. A rigidez do metal, era a mesma do coração de seu capitão. O barco de metal trazia em sua história disputas, lutas e vitórias. Construir um barco era algo inusitado e fora um desafio.
O barco estava desgastado pelo tempo que havia deixado muitas marcas em seu casco. Na sala de comando, estava seu capitão, que acabara de tirar seu casaco, e impaciente olhava para suas anotações e afazeres. Um passo no convés o fez gelar, conhecia aquele caminhar.  O sino logo tocou obrigando-o a sair de seu esconderijo. Foi receber aquela visita irritantemente esperada. Resmungava baixinho enquanto caminhava, não conseguia entender porque ela era tão bem-humorada, como aquilo o intrigava. Para evitar se desgastar mais uma vez, decidiu papaguear sem parar. Ela o observava perguntando-se sobre tamanha agitação. Eles revezavam momentos de conversas desconexas com silêncio absoluto, onde a troca de olhares dizia muito mais sobre as emoções que invadiam aquele convés.
O barco estava sempre desorganizado e ela rapidamente passava os olhos por sua volta e se questionava se a bagunça no convés era a mesmo que ele tinha internamente. Talvez aquele jeito desajeitado, representasse muito mais daquela personalidade, possessiva. Algo naquele casmurro atraía amigos, parentes, conhecidos e membros da sociedade, sua personalidade marcante talvez fosse o decifrar desta proeza. Mas aquela casca grossa não a enganava, atrás daquela imagem havia uma alma inquieta e um tanto infeliz. 
Anos após anos, o barco de metal despertava a atenção. Ele mesmo muitas vezes, confundia-se com a data de inauguração de seu barco, que majestosamente rompera aquele ambiente e se prendera àquele porto e lá ficara. Os dois andares, imponentes abrigavam inúmeras cabines com espaço para muitos sonhos. Bem verdade que alguns duravam pouco tempo, outros perseveravam e venciam.
         _ quantos anos? Dez? – Perguntou ele em voz alta.
         _ Quinze anos. _ lembrou sua interlocutora. 
Ela sabia muito bem quanto tempo aquele barco estava ali, já que sua chegada provocara em sua vida grandes e marcantes mudanças, quase todas negativas. Como ela esqueceria o tempo? Ele era um homem jovem, à época da chegada de seu barco de metal, talvez mais viril e destemido que agora. E certamente não percebera o impacto que seu barco causara na vizinhança.
Ele advinha de uma família tradicional e nunca experimentara limitações e dificuldades, talvez isso limitasse sua percepção. Apesar de manter um modo de vida simples, gostava da boa mesa, não abria mão de uma cerveja de qualidade. Viajava anualmente e gostava de bons espetáculos, festas e pequenas reuniões com amigos escolhidos a dedo. Apesar da vida agitada, refugiava-se sempre em sua sala secreta, que mandara fazer em seu barco de metal, estrategicamente próximo da dispensa de alimentos, que o mantinha em seu eufórico ostracismo.
Ela continuava ali, paralisada. Ele era muito rabugento sob o olhar dela. E tinha tamanha dificuldade em lidar com quem o contrariava. Ela era uma prova disso. Quantas vezes haviam discutido severamente, após ela discordar do ponto de vista dele. Ele não admitia ser contestado, era atroz. A façanha era manter-se na mais perfeita ordem, dentro de sua habitual desordem. Pequenas mudanças na rota, causavam-lhe gigantescos dissabores.
Aquela estrutura tão imponente e garbosa traduzia a robustez daquela alma, considerava ela. Tinha ele motivo para estar tão agitado aquele dia. Algo incomodava aquele homem frio e de alma controladora. Aquela nau era um sonho realizado, uma mudança na rotina dele e na vida daqueles que a circundavam.
A praia trazia uma nostalgia, por vezes. O mar o atraia e ele desfrutava das sensações que a água salgada provocava em sua pele. Procurava levar um pouco do mar consigo, sempre que precisava voltar-se para suas atividades cotidianas. Se dependesse dele passaria mais tempo no mar.
A praia, às vezes, parecia morta, sem vida. Alguém falava com ele, as palavras murmuradas não eram ouvidas. Palavras ditas levadas pelo vento, sentimento obscuro. Um pensamento deixou seu coração estático, o vento calou-se, a natureza sem vida, os pássaros não cantavam e o mar não mais murmurava. Ele sentou-se em frente à praia e ficou esperando que o mar lhe dissesse o que fazer. Como sairia daquela tormenta?
Voltou para sua nau, escondeu-se em sua sala secreta e de olhos fechados procurou respostas para seus sentimentos. O pensamento voava, imaginou-se caminhando naquela imensidão de mãos dadas... Como alguém conseguira se infiltrar em sua viagem sem pedir licença deixando seu mar revolto? O coração em pedaços, cacos de emoção. Um passo em seu convés devolveu-lhe instantaneamente à vida. Ele sorriu, como se os ventos úmidos do mar, soprassem uma calmaria fazendo-o renascer.
As velas altas e robustas do barco cortavam a beleza daquela praia. O sol brando, reinava. Ele em sua solidão, calado. O inverno soprava, agosto amargo, em seu coração a infatigável solidão era voraz. O barco estático representava o magnifico sonho, que ele venerava. A realidade o fazia pressentir que o sonho que hipnotizava sua alma, seu ser e seu desejo, apesar de leva-lo a momentos poéticos, era uma ironia. No seu âmago ferve o desejo de sonhar e viver com ela um inebriante sonho. Quantas vezes sua nau foi cenário de uma noite torrencial de amor?
Seu barco tinha um poder de encantar e ele sabia disso. Aquele imenso barco rasgava as barreiras do tempo e do espaço, suas luzes rompiam a noite escura. Euforicamente, integrava o sonho e a realidade. Um sonho irreal de um barco de metal que não navegava por tempestades ou águas calmas.

Ao navegar e desbravar novos mares, seu coração era traidor que anonimamente encontrava pretextos para fantasiar novas façanhas. Ardilosamente, ele buscava em seu emaranhado de sentimentos, encontrar um novo momento para atrair para seus aposentos aquela que provocara esse desejo de romper novos mares.
Aquele mar aberto, convidava sua velha nau para uma nova experiência. Uma sinfonia invadiu-lhe a alma, em terra firme lembrou-se do estardalhaço que aquela aventura promoveria em sua patética vida. Por muitos anos, manteve-se amordaçado em sua cabine, como uma ostra grudada em uma pedra, que nem o mar revolto era capaz de move-la. Assombrosamente, aquele imenso barco de metal não fora suficiente para poupa-lo de tamanha angustia, seu coração transbordava de emoção e tudo que ele desejava era aniquilar aquele sentimento que estava impiedosamente devastando seu âmago. 
Sua inquietude foi quebrada por um de seus marujos.
         _ Capitão? Pensei que já havia zarpado.
         _ Sabe que gosto de apreciar o mar a noite.
Ficou ele a olhar o mar, vestido de seu jeito desarrumado, enquanto seu marujo saia para não incomodar seus pensamentos. Ele dirigiu-se as escadas e desceu seus degraus esperando encontrar em sua sala secreta algo que arrancasse bruscamente aquele pensamento delirante. Queria dissipar aquela névoa que almejava seu porto, gelando sua alma. Como era sorrateiro o tal amor? Ele que desdenhou da paixão, dizendo-se impermeável ao sentimentalismo, agora sentia um espectro plácido enredando sua vida. Potencialmente causando-lhe o desejo de morrer.
         _ Queria beija-la. Até mesmo ama-la.
Continua sua inspeção pelo convés. Percebe que o casco precisara de reparos, alguns danos eram vigorosos. Passos na escada em direção a ele. A lua, escondida entre nuvens, o vento frio e a névoa sobre o mar deixavam o cenário sombrio. As madeiras da escada rangeram e o vento gélido soprou em seu pescoço, provocando-lhe um tremor.
         _ Estou aqui para resgatá-lo. – Ela chega intimando.
         _ Não preciso de resgate, estou muito bem aqui. Deixe-me. – Diz ele agressivamente.
         _ Sempre gentil, doce como fel. – Responde ela sorrindo.
         _ Estou angustiado e quero ficar só. – Sentencia ele com uma voz triste.
         _ Seja feita assim a sua vontade.
Ele a leva até a saída, sendo extremamente desagradável, demonstrando toda sua irritação e desconforto. Ela sabia que ele estava com medo, e de certa forma divertia-se com isso.
         _ Não precisa tanta irritação – disse em tom amável e irônico.  Vai permanecer em sua masmorra?
         _ Já estou irritado, você sabe me deixar assim, com maestria. Vou. Permanecerei aqui.
Ela beija-lhe suavemente os lábios, sorri e sai.
A luz fraca sobre sua mesa, o deixa mais pálido. Percebeu que sua noite seria longa. Aquele beijo faria parte de sua longa madrugada. Olhou para o céu tentando encontrar a lua e as estrelas para que aquele momento fosse rapidamente esquecido. Sentiu-se um covarde, queria tanto aquele beijo e deixou-a partir. Uma música ao fundo o incomodou.
As noites tinham seus mistérios, o outono apresentava seus encantos e ele estava inquieto com seus pensamentos errantes. Ele olhou para o céu nublado e pensou no beijo que ele tanto queria e que por medo deixou escapar.

Há anos atrás, ele era um homem forte, tipo atlético que provocava reações nas mulheres de corpos dourados que se banhavam naquelas praias. A praia em que mantinha seu barco ancorado, outrora tinha sido muito bem frequentada pela alta sociedade paulistana. Ele era um jovem de corpo dourado, cabelos cacheados que estavam sempre desarrumados, vestido com uma bermuda e chinelos, sem camiseta para mostrar seu corpo bem definido e sempre queimado de sol. Doces lembranças aquelas.
Fechou o casaco e olhou para o convés de seu barco de metal.
         _ O mar está aqui tão perto e meu barco não pode navegar. Eu a desejo tanto e não posso avançar...
Ele parou, na porta de seu escritório, ouviu a música ao longe. Estava muito perturbado com as suas emoções. Olhou-se no espelho de meio corpo que mantinha ali, muitas vezes se perguntou o que fazia aquele espelho em seu escritório, olhou-se e ajustou seu casaco. Sua mesa estava repleta de documentos que precisavam ser despachados. Ele não conseguia se concentrar. Pensou em ligar para ela, encontrar uma desculpa e fazê-la voltar. Faria ele um papel ridículo? E se ela não voltar? _ pensou.
O medo o fez paralisar.
No dia seguinte, ele foi para o mar onde se sentia livre e leve. Do mar olhou sua nau que não podia mover-se, mas demonstrava seu poder, já fora branca agora estava desgastada, as velas estavam comprometidas e ele estava procurando coragem para se entregar àquele amor”.
Ela termina a taça de vinho, o sono chegara.... Um doce de abóbora para completar o jantar. Fica em seu sofá sentada, olhando os inúmeros canais da TV por assinatura, nada a agrada. Ela faz um chá de erva doce, para aquecer o corpo e a alma. Fica pensativa, está com saudades de seu amor. Nos últimos dias ele anda arredio e ela sem paciência, nesses momentos o melhor é o afastamento. Ela lê um pouco da história deles, pensa que ao escrever os sentimentos passam a pertencer aos personagens, será que no fim o amor não mais pertencerá a eles?

Parte III
_ O amor, às vezes, nos toma de sobressalto, pensou ela.
Ela que demorou tanto tempo para perceber que estava amando aquele homem forte, de olhar frio, mimado e com tamanha dificuldade de assimilar opiniões diferentes da dele. Um homem tão distante do modelo que ela admirava, sem estilo, desajeitado e que não se permitia vivenciar algo novo, que o tirasse da zona de conforto. Não costumava arriscar, ousar ou se permitir ir além daquilo que tinha desenhado. Seguia seus rituais ficando extremamente irritado quando precisava fazer qualquer mudança no seu dia a dia.

O tempo de convivência trouxe alguns conflitos. Algo existia além da natural implicância. Na verdade, o que poderia haver entre duas pessoas tão identicamente diferentes? As semelhanças terminavam na teimosia e no mal humor.  Algo intrigante em alguém tão resmungão, que se deixa influenciar por ações externas. Uma pessoa tão confusamente envolvente e atraente, apesar de estar fora de qualquer padrão de beleza. Tão frágil emocionalmente que não consegue dominar suas emoções. Por mais que seu jeito desarrumado e desajeitado demonstrasse uma certa irreverência, ele era um homem a moda antiga, cheio de regras e de conceitos preconcebidos.
Essa descrição demonstra o quão ambíguo é esse homem. E ela que sempre admirou homens mais velhos e centrados, se via agora completamente envolvida por aquela pessoa de personalidade controladora, rabugento e irritantemente agitado. Como ele despertou um sentimento tão intenso?
O amor chega devagar, não faz alarde. A paixão é fogo, arde, desperta um desejo incontrolável.  Ela se deu conta do quanto estava envolvida numa sessão de terapia. Resistiu bravamente àquele sentimento, mas o tempo fora implacável e a fez perceber que era o amor mais genuíno que já sentira. E decidiu se entregar. Ele continuava apaixonado e agora resistia, temia se entregar e sair da zona de conforto. Vivenciar algo novo, àquela altura de sua vida, era impensável para ele.
Ela percebe que o que sente por aquele ser tão apaixonante, é um amor tão forte, que não imaginava mais ser capaz de sentir. Não porque desacreditava do amor, mas porque não se sentia capaz de amar com tanta intensidade. Já havia amado antes, acabara uma relação recentemente, nada parecido com o que sentia agora. O medo de viver aquele amor, era paralisante. Os dois se procuravam, se desejavam e sentiam o mesmo medo. O amor é capaz de romper o medo?
Ela para, respira profundamente e sente como ele está presente mesmo estando distante. Ela se volta para a história dos dois, relembra de muitos momentos que eles viveram juntos, relembra de algumas discussões e enfatiza alguns aspectos da personalidade dele, tentando entender se esse amor tem alguma chance.
“Os olhos pequenos e um olhar apertado, refletiam muito dele. Talvez essa característica física, já demonstrava o quão fechado e reservado ele era.  Os cabelos desarrumados, a pele bronzeada e o corpo esguio, com a barba por fazer e a fisionomia sisuda provocavam o desejo de manter a distância, a luz da sensatez, ninguém se aproximaria daquele que sempre demonstrava tamanho azedume. O fato é que alguém com tantas amarras cria barreiras intransponíveis para quem deseja se aproximar. Seria ele assim quando jovem? O que ocorrera ao longo dos anos, para que ele se tornasse tão frio e inflexível?
Ele era capaz de uma reação brusca e rude e no momento seguinte, permitia-se um contato mais íntimo, um abraço, um beijo ou dois. Como se não pudesse ou não quisesse se deixar levar... para o outro, algo intrigante, que deixava uma dúvida. Será que algum dia ele avançaria? Talvez não. O tempo da sedução havia passado. Deixou um doce amargo, um desejo adormecido, um bem querer que não faz sentido. Uma vontade de estar próximo não atendida. Ele fora tão meigo, próximo, envolvente e repentinamente se fez tão distante, indiferente e inconstante. Seria o fim?
Quem é esse casmurro? Um homem incapaz de se apaixonar, que não acredita que o amor possa ser vivido após uma certa idade. Para quem se envolver sentimentalmente é patético, ridículo e infantil. Como se o amor fosse algo matematicamente exato. O amor é inquietante, quente e desatinado. Não há exatidão no amor. O que não significa ser infantil, tolo, inconsequente ou ingênuo. Ele pode ser genuíno, verdadeiro, consciente, responsável, um bem querer que se alimenta da felicidade do outro, mesmo que não seja ao lado de quem se ama. Amor é um sentimento intenso, que alimenta e acalenta a alma de quem sente, independentemente de ser correspondido. Amor não é posse, é querer bem. Amor é querer a felicidade do outro, amor é sentir, desejar, sorrir, viver sem cobranças, sem limites, sem amarras. Visto assim, o amor é algo inconcebível para esse doce casmurro.
Um falso bilhete dizia:
_ faz tempo que estou de olho em você.
O dublo sentido daquela fala e tantas outras não fora entendida, perdeu-se o time. Talvez, a rigidez fosse algo que os aproximava. E a falta de atitude, de decisão e coragem fizera o implacável tempo definir que o sentimento ficaria restrito a ser intensamente vivenciado nos desejos ocultos, sem que fosse realmente vivido.
Irritantemente, despertava o desejo de matar e o ódio.
_ O amor e o ódio estão sempre lado a lado. Se misturam. – Dizia ele.
Vez ou outra, era essa a fala capaz de enrubescer e provocar um olhar repleto de sentimento e desejo... A indecisão estava acima da compreensão, perturbadora e inquietante, determinava o fracasso daquele sentimento equivocado. Nem sempre terminava uma frase ou concluía algo. Terrivelmente maçante, sentir um corpo vibrando e uma obrigação de deixar gostosamente de vivenciar aquele momento intenso e tenso. Um sorriso quando questionado sobre seu potencial. Uma testa enrugada e uma graça para evitar o assunto, quase sempre frustrante mesmo para alguém que não cria expectativas. Impossível não criar uma expectativa após um beijo. Arriscar alguma pergunta a esse respeito? Certamente calar-se-ia. Curioso é que nunca ouve uma única troca de palavras sobre os beijos, os abraços ou os olhares trocados.
Um certo desconforto paira naquele olhar. A barba grisalha mostra a passagem do tempo e as marcas naquele rosto demonstram a rigidez da alma que ali habita.
_vamos curtir a noite? – Disse ele, convidando para uma bebida.
A falta de uma resposta arrojada silenciou o desejo.
_ O que aconteceu?
A história clássica de um querer não correspondido... tudo e nada!
Apesar de ter viajado por alguns lugares do mundo, vivia na sua caverna. Levava sua caverna para todos os lugares. Sentia-se protegido dentro de sua caverna, que o mantinha distante do mundo voraz, dos sentimentos intensos e das tomadas de decisões. Tão acolhedora sua caverna, onde podia refastelar-se no silêncio de seus pensamentos inquietantes.
Ao sair da sua caverna levava consigo a bolha que o mantinha distante do mundo que passava veloz a sua frente. Ele não queria se expor, correr riscos, mas devia. Só correndo riscos podemos encontrar a felicidade e quando arriscamos e não temos êxito encontramos a sabedoria.  Quase sempre optava pela estupidez para se manter distante dos riscos. Assim sua bolha o protegia.
Esse jeito insensível o mantinha longe de experiências que podiam trazer luz, alegria, bom humor e carinho para sua vida. Em alguns momentos, era capaz de gestos carinhosos, de um abraço ou de atravessar uma sala abruptamente para dar um singelo beijo.  No momento seguinte, sua rispidez mantinha distante qualquer interlocutor. Parecia que algo o angustiava e incomodava seu ser. Por outro lado tinha tamanha necessidade de ser amado, admirado e querido. Tão insensato...
A dura casca do casmurro ser... Algo, em algum momento enrijeceu aquela alma, tornando-a fria e imaleável. No fundo daquele olhar parecia existir uma dor, uma certa insatisfação, talvez algum sonho do qual abrira mão... talvez uma busca por uma felicidade que ele mesmo não acreditava existir. Quase sempre a irritação era sua maior e melhor companheira. A bolha, a caverna e a casca dura do casmurro são intransponíveis...
O que importa é a luz e a alegria que cada um de nós consegue fazer brilhar em si mesmo... arrisque-se mais... dizer isso para alguém tão rabugento soa como um desaforo. É muito curioso o quanto esse casmurro se escondia em sua bolha... Apesar de ter sua caverna invadida por outras pessoas, só permanecia ali aquelas que não representavam ameaça, que na avaliação dele jamais o compreenderiam.
Parece mais certo afirmar que são duas pessoas diferentemente idênticas. Uma diferença é a vontade de arriscar-se, sem medo e sem pré-conceitos. Na verdade, os dois sentiam um certo medo do outro. Talvez explicasse a rigidez dos corpos, na troca de um abraço. Já no campo intelectual as semelhanças eram muitas, tinham percepções e avaliações parecidas. Uma frieza na análise dos fatos, um olhar distante para situações que causariam temor em alguns. Para assumir responsabilidades e riscos profissionais eles se assemelhavam, eram quase destemidos, ousados e se permitiam, eram duros no embate.
Quando discordavam dos fatos, a discussão era voraz. Poucos tinham coragem de tomar partido quando os dois defendiam seus pontos de vista. Era mais cômodo assistir a distância e aguardar o resultado final, que nem sempre tinha um vitorioso. A irritação, muitas vezes, dominava a cena, para os expectadores era pura emoção. Um sabia da importância do outro para que o sucesso acontecesse, mas a necessidade de espezinhar era maior que a vontade de alcançar os resultados. Nunca comprometiam o projeto, só tornavam mais emocionante cada etapa.
Às vezes, a agressividade dava lugar a um gesto de amizade, raramente, de carinho. Só não durava muito tempo, no momento seguinte a disputa por espaço e liderança predominava. Eles se digladiavam até um sucumbir ao poder do outro. Sempre demarcando território e disputando espaço, não porque queriam aparecer mais ou ser mais importante que o outro, queriam apenas dominar um ao outro. Fosse no território profissional, pessoal ou sentimental, queriam dominar a relação”.
Ela toma seu chá, imaginando o que teria acontecido se ela fosse mais ousada, menos insegura e tivesse se permitido mais... teria ele continuado com suas investidas?

Parte IV
O dia passa rápido, uma agenda agitada a deixa sem tempo para pensar naquela pessoa que tem provocado grandes mudanças no modo dela ver a vida. Um amor que bagunça e tira tudo do lugar, acaba com as crenças, quebra os conceitos e provoca reações inesperadas. Ela chega em casa, toma um banho e vai para cozinha, prepara um creme de mandioca e vai encontrar seu grande parceiro e atual confidente, o notebook.
Ela busca seu sofá, um cobertor, um chá quente. Uma noite chuvosa e de temperatura baixa. Ela se pergunta o que ele diria se estivesse lendo sua história, estaria incomodado?
_ Claro, ele estaria irritado, como sempre. – Ela ri.
Passeia pelos canais da tv, assiste uma série que ela adora, lembra que ele também. Ela pensa em como ele está e o que estaria fazendo. Sente que mesmo passando dias sem encontra-lo o sentimento não muda, ela bem que tentou acabar com aquele amor, mas não consegue deixar de amar... Com o notebook no colo começa a contar um pouco daquela história.
“Como ele havia envelhecido, a pele já tinha sinais da idade, uma pele que nunca fora tratada. Ele era demasiadamente machista para se permitir um cuidado com a pele, provavelmente nunca havia passado um só hidratante, talvez um protetor solar, já que vivia tanto tempo no mar. O corpo, que outrora fora musculoso e forte, agora é frágil. Ele praticava esportes, mas o corpo já demonstrava certas limitações.
Os cabelos grisalhos e a pele descuidada denotavam a idade, ele já havia passado dos 50 anos, estava mais próximo dos 60 anos. E a robustez com que encarava a vida demonstrava o quanto ele era antiquado. Tudo nele era ambíguo, tão liberal para algumas coisas e tão retrógado para outras. Uma alma inquieta, um humor inconstante e uma personalidade marcante e, por vezes, sombria. Ela lembra de um personagem de desenho animado, que dizia “Oh céus! Oh vida! Oh azar! Isso não vai dar certo”, era uma boa referência para personalidade dele.
A vida pesava sobre seus ombros. Ele tinha uma amargura no olhar, como se algo o fizesse ver a vida com certa reserva. Tinha pequenos rompantes de alegria, mas logo se fechava em sua casca e se trancava em sua caverna. Quando estava irritado, se percebia pelo andar, o passo firme, acelerado e a respiração ofegante alertavam: mantenha uma distância segura. Ele era extremamente grosseiro e rude quando estava de mal humor, e como quase sempre estava nesse estágio, o excepcional era encontrá-lo bem-humorado e dócil.
Do outro lado, estava ela com seu bom humor. É bem verdade, que ele conseguira provocar momentos de irritabilidade, deixando-a nervosa e impaciente, algo raro. Ela se questionava do poder que dava aquele homem tão cheio de regras. _ Por que ele me tira do eixo com tanta facilidade?
Ela procura entender mais daquela personalidade tão deliciosamente intrigante. Raramente ele contava um pouco de sua história, quando isso acontecia ela procurava entender o que se desenhava nas entrelinhas. Como uma pessoa com olhar tão frio e tanta dificuldade de lhe dar com os próprios sentimentos, pode provocar no outro tanto amor”?
O telefone toca, tirando-a de traz da tela do seu notebook. A vida real a chama de volta e surpreende, a inconfundível voz rude, está serena e doce. Ela sente um frio na barriga, o coração bate descompassado, fica ansiosa. Ele diz que precisam conversar e sugere um jantar, ela aceita e fica intrigada com a motivação.
Um convite, sem maiores explicações, sem dizer o assunto?
Enquanto escolhe um look que seja discreto e sedutor, tenta entender o que motivou aquele convite. Ela escolhe um vestido de seda, uma bela sandália vermelha, maquiagem suave, quer se sentir sedutora.
_ Preciso de uma bolsa que caiba um pouco de suas emoções e expectativas. Ah, expectativas! – Ela sorri enquanto se olha no espelho.
Ela tem como mantra não criar expectativas sobre nada em sua vida. Ela diz que criar expectativas é um grande risco de sofrimento, quando você entra em uma situação sem expectativas, a chance de se surpreender positivamente é muito maior.
Ao encontra-lo, o beijo roubado e um abraço demorado, outro beijo roubado. Parece que a noite será emocionante. A sensação que ela tem é que ele será mais objetivo, sairá da zona de conforto, talvez se mostre um pouco mais e se permita sentir. A conversa é interessante, ele se mostra mais amável e conta coisas intimas de sua vida, demonstrando que atrás daquela figura fria e languida, tem um coração que sente e uma dor que deixa uma nuvem cinza sobre ele. Algo mais, tem atrás daquela casca dura e quase intransponível, que momentaneamente se abre e deixa transparecer fragmentos de alguém apaixonado.
Ele toca as mãos dela suavemente e a olha fixamente. Ela sente um arrepio percorrer todo seu corpo, por um instante pensa que seria melhor estar refugiada atrás da tela de seu computador, apenas criando essa cena, do que estar ali. Como ela que tanto desejou viver aquele momento, estava tão estranhamente incomodada e com tanto medo? Ela respira profundamente e se concentra na conversa, conta um pouco de sua história, se expõe contando fatos que sempre manteve oculto. Eles mostram um outro lado, como se estivessem fazendo um pacto, mostrando um pouco de sua intimidade para o outro.
O jantar termina, na despedida, outro beijo roubado. E a certeza dela de que ele avançaria, fica no beijo roubado. Ela entra em seu carro e segue seu caminho, pensando até quando vai controlar aquele desejo tão ardente que sente por ele.
Ele vai embora pensando como pode ter sido tão covarde, ter deixado mais uma oportunidade única passar... Ele a deseja tanto e sempre fica travado, amedrontado e inseguro.
_ Inseguro mesmo... Pensou ele.
Ao chegar em casa, ela não resiste a uma deliciosa caixa de chocolate, 70% cacau, é claro. E se aninha em seu sofá, pega seu notebook e vai escrever sobre os dois.
Ela começa pensando no amor que sente, no quanto é angustiante aquela indecisão dele. O que o deixa preso naquela caverna que ela não consegue adentrar?

Parte V
O dia promete, eles devem passar o dia todo juntos, muitos compromissos profissionais. Ela está segura, parece mais decidida. Ele chega do mesmo jeito de sempre, irritadiço. É tão cedo e ele já está no mal humor de todos os dias. Ela pensa como será o dia com ele tão irritado. Tenta abstrair o incomodo, percebe que não será nada fácil e que seus planos podem ir por água a baixo.
Ela se refugia atrás da tela de seu inseparável notebook. E deixa extravasar sua emoção.
“Clara, acorda decidida a tomar as rédeas daquela história.
_ Só você pode dar cor nessa história morna e que está em preto e branco. Coragem! – Diz olhando no espelho.
Clara se veste lindamente, usa uma bela calça flare preta, camisa branca e um lindo colar vermelho, sapato de salto alto e uma maquiagem leve, sempre usa batom natural.
_ Clara, Clara esse batom é uma tática para não deixar evidente os beijos roubados... – Pensa em voz alta enquanto termina a maquiagem.
Quando ela percebe que ele está chegando, seu coração dispara, sente um frio na barriga, o sangue parece gelar. A sensação é desconfortável e deliciosamente apavorante. Tenta disfarçar sua ansiedade e anular seu corpo que insiste em estremecer.
Ele entra na sala e a fita ao longe, Clara se mantem distante, ao menos aos olhos dele.
_ Bom dia! – Fala com um tom severo
_ Bom dia! – Responde Clara sem tirar os olhos do computador.
_Você não vai nem olhar para me cumprimentar? O computador é mais interessante ou é pura falta de educação mesmo?
_ As duas coisas. Você chega despejando gentileza e espera ser recebido com beijos.
_ Exatamente! _ diz ele enquanto se dirige até ela.
Ele se abaixa e rouba-lhe um beijo. Ela olha para ele e sorri timidamente.
Ela levanta e o abraça carinhosamente, ele corresponde ao abraço e os dois se beijam ardentemente. Se olham e com toda cumplicidade exigida para o momento, Clara pega sua bolsa e os dois saem juntos, decidem viver aquele momento, se entregar a paixão. Entram no carro e vão para casa dela. O desejo é tanto que começam a se beijar ainda no carro, entram derrubando os bibelôs da mesa de centro da sala. Se jogam no sofá, as peças de roupas começam a cair pelo chão. A cada movimento os dois se olham intensamente e se beijam ardentemente.
Clara percorre com as mãos as costas dele, sente o gosto de mar que a pele dele trás. Beija lentamente a nuca, escorrega os lábios vagarosamente até a orelha, dá um beijo suave, encosta o corpo que está ardente de desejo, nas costas dele, a respiração é ofegante.
Ele se vira para ela, tira a camiseta lentamente e a envolve em seus braços, a beija. Os lábios macios dela o deixam em transe, ela toca os lábios dele com a língua. Ele corresponde, passando a língua pelos lábios dela, a boca entreaberta espera que ela o beije. Uma mordida suave no canto dos lábios dele, provoca um sussurro. As mãos entrelaçadas se apertam e o olhos estão com um brilho apaixonante.
Clara abre lentamente a camisa, mostrando seu corpo, ele se deleita com cada botão que vê sendo aberto. Ela tem um olhar desejoso e tímido. Ele a traz para junto de seu corpo, e lentamente retira a camisa, o cheiro doce do perfume dela, o deixa embriagado de prazer. Ele a beija lentamente e percorre com os lábios o rosto e o pescoço dela, provocando ainda mais desejo. Desce lentamente, os lábios pelos ombros e vai percorrendo o corpo, beijando-a suavemente, arrancando-lhe arrepios e reações que a fazem estremecer. Os corpos entrelaçados, seminus se encaixam perfeitamente. Ela passa o pé pela perna dele enquanto ele retira o cabelo dela do rosto e a olha fixamente.

O olhar deixa o desejo pujante e os beijos mais ardentes, eles vão para o quarto, os sapatos ficam pelo caminho. Ela abre lentamente o zíper da calça e a deixa cair, a lingerie preta o deixa mais encantado, ela se aninha na cama, como um felina e ele não perde um único gesto dela. Os corpos se tocam, as mãos se procuram, ele retira toda a roupa de Clara, e passeia pelo corpo sentindo o cheiro doce daquela pele macia.
Ela o acarinha maliciosamente, os dois se entregam ao prazer. Os corpos se movimentam bruscamente, lentamente, intensamente, delicadamente, com toda energia e força. E quando ela foge dele, ele a pega como um leão buscando sua presa e depois a solta para ver a reação, ela é a felina e ele a presa. O jogo de poder que acontece entre eles, se faz presente na cama.
E a disputa pelo prazer e pelo poder é intensa. Eles alcançam o ápice do prazer, os corpos suados e relaxados ficam lado a lado, ele a abraça aninhando-a em seu peito. Ela sorri, ainda sob o êxtase do prazer. Ele quer manter o poder.

Ele entra na sala e a fita ao longe, Clara se mantem distante, ao menos aos olhos dele, que se abaixa e rouba-lhe um beijo. Ela olha e sorri timidamente. O silêncio que só eles ouviam é rompido pelos compromissos do dia. Clara fecha seu computador, deixando nas páginas os sonhos que espera viver com ele.

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Claudia Paschoal


sexta-feira, 25 de março de 2016

CAPÍTULO V Ingenuidade tem limite...


Augusto começa o dia feliz, acredita que sua investida deu resultado. Só não entendeu o porquê do desejo de manter tudo em segredo, mas a noite tinha sido tão intensa que ele não queria perder tempo tentando entender, até porque as mulheres têm seus mistérios e isto é o que as torna tão atraentes.
Augusto estava apostando suas fichas em alguns pré-candidatos a prefeito da sua região. Claro que uns com maiores chances e outros apenas colocavam seus nomes no cenário para o futuro. Ele sabia muito bem avaliar o potencial de cada um e, mais ainda, sabia como deixá-los sob seu comando. Exercia seu poder de persuasão com perícia, jogava para que apenas as peças interessantes avançassem  para a próxima etapa.
No grupo de Augusto está Samuel, um novato no meio político e que pretende seguir a “carreira”. Quer se eleger prefeito e depois deputado, o problema é que as escolhas o tiravam do caminho do sucesso, pelo menos do ponto de vista de Augusto.
Samuel é inseguro e teimoso, apesar de ser um nome novo e ter algum conhecimento na área política, tem um romantismo que não cabe no meio político e uma ingenuidade que muitas vezes se aproxima da burrice. Tenta imprimir uma nova marca, só que sua escola política é arcaica, apesar de ter um verniz está sempre em situações adversas, tem uma personalidade frágil e não tem liderança, resultando num comprometimento de suas ações, seu discurso é vazio e não corrobora para sua sustentação no concorrido meio político.
Para Augusto, a política é algo complexo e que precisa de pericia, algo que Samuel não tinha. Para torná-lo um candidato a altura de seu apoio, muito tinha que ser feito. A malícia política só se adquire com o tempo, com a vivência e com as negociações. Samuel não era um bom negociador, parecia implorar ajuda e não se impunha  numa mesa de negociações, algo crucial para alguém que deseja trilhar no meio político.
Samuel temia Augusto, porque sabia que era um homem autoritário e centralizador, habilidades que ele não possuía. Todas às vezes, que precisava falar com Augusto procurava alguém para acompanhá-lo e se possível solicitava que um assessor fosse em seu lugar. Tinha um receio enorme em cometer algum erro ou dizer algo que pudesse comprometer sua carreira política, sabia que dependia do apoio de Augusto para se candidatar.
Augusto chama Samuel para orientá-lo sobre algumas medidas que deveria tomar, o momento era de ajustes partidários. Logo percebeu que a inexperiência de Samuel poderia comprometer a conquista de novos parceiros. Pensou em alguém que pudesse orientá-lo. Decidiu que conversaria com sua amiga, quem sabe ela poderia ajudá-lo, a única coisa que teria que resolver é o ciúme que sente.
Ernesto está em meio à tempestade, sua vida está sendo vasculhada e ele vigiado por todos, imprensa, colaboradores e pares políticos. Cada passo dado tem que ser meticulosamente medido. A pressão é grande, as ações ganham outro peso e ele está sentido. A fragilidade dele traz um desconforto para o governador, que fica exposto também. Ainda, tem que resolver a questão do pré-candidato que terá que desistir para atender ao combinado com Augusto. O stress toma conta do dia. Na percepção dele há uma grande crise política eminente, que o desestabilizaria, já que desempenha o papel de moderador no governo. Toda crise obriga aos atores envolvidos se reinventarem, o problema é que não sabia como fazer, sem se colocar em risco e blindar o governador.
A crise no meio político tem efeito cascata, porque todos estão interligados. Quando Ernesto aparece no noticiário como alguém que está sendo investigado, Augusto comemora. Como é interessante a política, quem comemora o desconforto de um acabara de vivenciar uma crise em seu governo. O que importa é o enfraquecimento de seu opositor, neste caso é o chamado “fogo amigo”, porque os dois pertencem ao mesmo partido e grupo político.
Enquanto isto, nos bastidores, as intrigas, mentiras e apunhaladas pelas costas rolam solta. Samuel tem uma assessoria que dispensa apresentação, por ser inseguro foi agregando em seu grupo pessoas de índole duvidosa, causando ao longo do tempo danos irreparáveis ao seu projeto. Quem está a frente de um projeto sofre inúmeras afrontas e precisa engolir muitos sapos, tem que ter equilíbrio emocional e ser indiferente a certos achaques. Tem aqueles que vivem das migalhas dos outros, os que gostam de promover a discórdia, esses quase sempre não constroem nada, e tem os que ficam adorando a todos, buscando ser necessário. Administrar todos esses perfis é uma tarefa árdua, Augusto e Ernesto, sabem muito bem como tratar esses personagens, que muitas vezes, são necessários dentro do cenário político.
Ao lado de Samuel está Coriolano, um novo assessor, dissidente de uma bandeira política de oposição, chegou com vontade de desconstruir a equipe ao qual pertencia. Alguns alertavam sobre o perfil arrogante e prepotente de Coriolano e que, assim como, naquele momento ele estava contra seu antigo partido, amanhã faria o mesmo com Samuel. O afã de conseguir “engrossar o caldo” promoveu fissuras profundas e jamais curadas. Impediu que Samuel percebesse que  abrigara  em seu ninho um esquerdista, corrupto, capaz de roubar,  mentir e de praticar crimes fiscais para manter sua vida estável.
A chegada de Coriolano causou muito desconforto, a postura dele destoava do contexto político do grupo de Samuel, as diferenças de opiniões eram gritantes. Coriolano se dizia um expert em planejamento político, era possível, no entanto, ele tinha uma linha de raciocínio que era antagônica a adota pelo grupo que antecedia a chegada dele, daí o começo dos conflitos.
Samuel estava num momento de muita cobrança, ele tinha que definir sua filiação partidária. Estava filiado a um partido em acessão, no entanto, com grande dificuldade de se manter. Do outro lado, Augusto tentava abrir espaço no partido dele para Samuel, o que não estava nada fácil. Muitas negociações abertas e poucos avanços, Samuel não passava segurança dificultando as investidas de Augusto, mesmo ele tão experiente e com grande poder de negociação tinha suas limitações. O partido sempre olha as futuras eleições e não abre espaço para um candidato que não seja promissor.

Augusto consultou a pessoa de sua confiança no grupo de Samuel, e já sabia das limitações e dificuldades de negociação dele. Tentou articular a ida dele para seu partido, mas Samuel colocou tudo a perder caindo em uma armadilha orquestrada por Carlos Eduardo...

segunda-feira, 14 de março de 2016

CAPÍTULO IV - Negociar é a ordem


Ernesto chega a Verdes Mares, cidade vizinha a Alegre. Encontra sua antiga parceira, os dois conversam e ele sai mais aliviado e otimista, conseguiu uma aliada para sua batalha com Augusto. Eles almoçam juntos e Ernesto parte para Alegre, onde é aguardado. Uma reunião a portas fechadas com Augusto e mais um problema para resolver. Ele conseguiu aplacar a situação acordando que recuaria no momento oportuno, e tiraria o seu pré-candidato da disputa. Muitas vezes é preciso cortar na própria carne, o desafio agora é convencer seu pupilo de que não é o momento para se candidatar, ele jamais poderia saber que foi parte de um acordo com Augusto, seria devastador e Ernesto o perderia. O momento exigia destreza e qualquer perda seria inadmissível.
Na volta para capital, Ernesto é informado que Gilberto agendou uma reunião para manhã do dia seguinte com todo seu staff e que a crise na segurança pública e as denuncias estavam na pauta. Tratou de ligar para seus assessores de imprensa e jurídico e marcou uma reunião para noite, precisava estabelecer uma estratégia para se defender das acusações infundadas que estava sofrendo. Ligou para o Secretário de Segurança Pública para sentir se a reunião tinha surtido efeito.
Em Alegre, Augusto se encontra com Marcelo, Samuel e Fabrício para uma reunião de urgência, precisava participar seus apadrinhados de que o jogo seria pesado e esclarecer que não deviam criticar ou se posicionar no caso do  anuncio do pré candidato apoiado por Ernesto.
                _ Não me façam perguntas, apenas façam o que estou mandando.
Fabrício, que em tese seria o mais prejudicado, questiona se algo será feito para reverter o caso. Augusto se irrita e deixa claro que não é para tomar partido de nada, o momento é de silenciar. Estrategicamente, o momento é de recuar para contra-atacar, tem que se ter muita calma, a derrota momentânea garantirá a vitória final.
Marcelo demonstra todo o seu descontentamento, não gosta de recuar nunca. Samuel é mais inexperiente e prefere ficar na zona de conforto, tem muito receio em se posicionar e escolher o lado errado. Antes de tomar qualquer decisão, se reporta a um assessor que o orienta sobre como se posicionar numa ou noutra situação.
Augusto estava sofrendo pressão de todos os lados, a oposição estava revirando as gavetas dele para encontrar algo que pudesse incriminá-lo. Seu perfil não agradava a todos, muito embora fosse um político capaz de aglutinar apoio, tinha aqueles que o odiavam pelo seu jeito autoritário e agressivo. A vida pessoal de Augusto o deixava exposto, ele sempre gostou de bebidas e, às vezes, utilizava outras substâncias para manter a excitação. E as conseqüências eram sempre devastadoras, se expunha publicamente e a oposição não perdoava.
Naquele momento, ele precisava agradar a oposição, para minimizar os estragos que uma festa ocorrida no fim de semana em seu apartamento, tinha lhe causado. As fotos que estavam nas mãos dos vereadores da oposição eram altamente comprometedoras. E as exigências feitas pelos opositores eram surreal. Ele não tinha muitas opções, tinha que sentar para negociar.
Negociar não era problema. Sempre foi bom negociador, era um empresário respeitado e que atuava em vários ramos. Agora, engolir os risos e as alfinetadas dos vereadores quanto a sua performance depois de uma noite de pura farra, era algo que ele não sabia administrar. A pressão era grande e ter que negociar com quem estava tentando levar vantagem de uma situação da vida privada, era o mesmo que ter que engolir uma espada, cortava na alma.
A mesa de negociações foi aberta, os ânimos estavam exaltados. Todos se sentiam no direito de fazer solicitações das mais variadas, de cargos até prestações de serviços públicos e indicações para parentes. Augusto perdeu a paciência, jogou as cartas para o alto.
                _ Se vocês querem me ferrar, me ferrem. Não vou negociar com ninguém. Estão pensando o que? Que vão chegar aqui e me chantagear assim? Estão loucos?
Os nobres edis não esperavam por aquela reação. Ficaram atônitos, todos se olhavam como se não acreditassem na reação dele. Eles não sabiam como reagir àquela atitude, não tinham um plano B. A decisão foi sair e estabelecer uma nova estratégia.
                _ Querem negociar? Vamos fazer isto abertamente, em público, querem? Esbravejava Augusto.
Ele tinha consciência do que estava falando, sabia que seria impossível e os vereadores também. Naquele momento era a única coisa que ocorria para que ele ganhasse tempo e pudesse chamar para uma negociação individual,  o que deixaria a conta muito menor. Ele sabia que uma conversa reservada poderia até ser lucrativa, já que também tinha algumas informações sobre um ou outro vereador. Claro que não colocaria estas informações na mesa com todos juntos, agora numa conversa reservada, cada um mostra seu poder de fogo.
Logo que deu por encerrada a reunião e os vereadores saíram, o primeiro se apressou em ligar. Ele comemorou, estava certo. Atendeu e decidiu que só atenderia dois dias depois. Agendou e ficou aguardando o próximo telefonema. Como esperado, todos ligaram e as agendas foram feitas. Alguns tinham pretensões futuras e ele sabia muito bem barganhar com eles neste campo. Ter o apoio dele para as próximas eleições era muito importante para quem pretendia se reeleger ou se candidatar a vice-prefeito.
A noite chegou e ele foi para casa, aliviado. No caminho, decidiu ligar para alguém com quem  tinha uma relação especial.
                _ Tá onde?
                _ Em casa. Diz a voz do outro lado.
                _ Vem pra cá, estou precisando conversar com você.
                _ Hoje não posso.
                _ Por quê?
                _ Depois te falo.
                _ Preciso muito conversar com você, meu dia foi péssimo. Começou com uma reunião horrível e terminou pior ainda. Vem pra cá, estou pedindo.
                _ Não tenho como. Vem você...
                _ Não pode vir aqui e eu posso ir até ai?
                _ Pode.
                _ Vou passar no apartamento deixar umas coisas e vou.  Você vence sempre.
                _ Estarei te esperando.
Augusto segue para seu apartamento, guarda alguns documentos em seu cofre particular.  E pega uma caixa com um belo anel. Ele estava decidido a presentear sua querida amiga. Já tinham uma relação de muitos anos e acreditava que o momento era para dar um passo mais sério. Só uma coisa incomodava Augusto, a sua querida amiga tinha uma proximidade com um desafeto político, mas ele acreditava que podia resolver facilmente isto.
Na capital, Ernesto se encontra com seus assessores em seu apartamento. Paulo apresenta uma matéria que soltaria na imprensa com as explicações de Ernesto para os assuntos que estão sendo explorados pela oposição. O jurídico traz boas e más notícias, deixando-o mais tenso. Sabe que a reunião da manhã seguinte será tensa e que Gilberto não irá tolerar falhas. Quando termina a reunião, uma ligação.
                _ Tudo bem? Pensou no meu pedido?
Ele ouve o que esperava. Seu pedido estava sendo atendido. Motivo para comemorar.
                _ Se estivesse aqui tomaríamos juntos um bom vinho.
Ele desliga e pensa que tudo poderia ser diferente se ele tivesse investido mais naquela relação. Só que o tempo passou e tudo ficou para trás.
Na manhã seguinte, a reunião com Gilberto é muito tensa. Todos são cobrados e novas metas são estabelecidas, alguns erros são inaceitáveis e Ernesto é cobrado. Ele se sente na berlinda, segura a ira e leva a reunião até o fim. As noticias de sua interferência na Secretaria de Segurança Pública foram positivas. O Secretário da pasta trouxe boas notícias, os ânimos estavam mais calmos, agora as propostas precisavam ser colocadas em prática. Gilberto parabeniza Ernesto, que respira aliviado, esta demonstração de confiança é muito importante para que todos saibam que a relação entre eles está preservada.
O momento era de negociação, as eleições municipais estavam próximas. Ernesto tinha muitos municípios para administrar e um problema para resolver, retirar a candidatura de seu pupilo como prometeu para Augusto.

sábado, 5 de março de 2016

CAPÍTULO III - Nos bastidores do poder muitas discussões acaloradas


Augusto chega a Alegre, um município planejado e em desenvolvimento, administrado por ele com pulso firme.  Ao saber das notícias e do lançamento da candidatura de um desafeto, ficou extremamente irritado. Chamou Nilson, seu assessor pessoal de longa data e pediu que averiguasse os fatos. Ligou para Ernesto e cobrou que o jogo fosse limpo, avisou que também poderia jogar pesado, o que não seria benéfico para ninguém.
Seguramente, o assunto seria responsável por parte do dia de Augusto, que não é um homem que se deixa vencer fácil. Não admite perder e sabe traçar uma estratégia como ninguém. Aproveitou para fazer algumas ligações e apurou algumas fragilidades de Ernesto, pensou que seria positivo ter uma carta na manga.
A notícia repercutiu em todo o meio político, para quem não é do meio, pode parecer pouco, já que não há um só candidato por região, no entanto, para um político do calibre de Augusto era extremamente grave e altamente vexatório. E um homem como ele, jamais deixaria de assumir as rédeas da situação, faria de tudo para reverter e impedir a candidatura de seu desafeto.
Ernesto logo percebeu que sua jogada causaria dor de cabeça. Gilberto não havia gostado nada das conseqüências da manobra política feita, e fez questão de esclarecer com Ernesto que aquele passo colocaria em jogo outras “costuras” políticas que envolviam Augusto, que era uma das mais importantes e respeita liderança da região.
                _ Ernesto, sabe como está sendo difícil convencer o Augusto e ter o apoio dele nas matérias que precisamos aprovar dentro da Assembléia. Fazer uma guerra de braços com ele agora não vai nos ajudar.
                _ Sei disto, Gilberto. Por outro lado, criamos um fato político que promoveu inúmeros questionamentos, na nossa base e na oposição. E isto pode nos favorecer, assim tiramos o foco das questões que estão ganhando espaço na imprensa.
                _ Temos que apurar os fatos, não quero minha administração manchada por irregularidades, que supostamente foram desenvolvidas por outros. Vou afastar todos aqueles que tiverem seus nomes envolvidos em possíveis irregularidades, todos que forem denunciados  pelo Ministério Público serão afastados, ficou claro?
                _ Já entendi. Vou tomar minhas providencias. E vou ligar para o Augusto.
                _ Saio em viagem após o almoço, sugiro que você permaneça e inicie ações para corrigir os problemas que estão ganhando espaço na mídia. Está é a única forma de resolvermos, não é criando outro factóide.
Ernesto sai da sala de reuniões enfurecido, acreditava que demonstrar ao Augusto seu poder de articulação era uma medida positiva, capaz de delimitar espaços. Logo sentiu que a luta com Augusto não seria fácil. Ao chegar a seu gabinete, recebeu a notícia de que seus apadrinhados que estavam em empregos na região do Augusto tinham sido demitidos. Ligou para todos os envolvidos e não obteve retorno positivo.
O momento não era bom, denúncias e desgastes dentro do governo, exposição pública de sua vida pessoal, parecia que Ernesto vivia seu inferno astral. Entre uma reunião e outra, pensou em alguém que poderia ajudá-lo, não perdeu tempo ligou imediatamente para uma parceira com quem não falava desde outro episódio de ordem pessoal.
                _ Preciso da sua ajuda, é muito importante.
                _ Quem é?
                _ Faz tanto tempo que não tem mais o meu número registrado?
                _ Ernesto? Está precisando de alguma coisa?
                _ Preciso que venha até aqui, temos que conversar.
                _ Não tenho nenhuma viagem programada.
                _ Preciso da sua ajuda, preciso falar com você pessoalmente.
                _ Pegue um helicóptero e venha até aqui.
                _ Você está me tratando com tanta frieza, está magoada ainda... Vamos tentar apaziguar isto,  mando um carro para te apanhar, pode ser assim?
                _ Não. Tenho meus compromissos, senhor secretário de estado.
                _ Entendi. Vou tentar resolver de outro jeito, agradeço pela atenção.
Ernesto fica intrigado. Acreditava que seria atendido imediatamente, ela sempre o atendeu. Será que tinha perdido mais uma para o Augusto? A situação se agravava, o dia estava intenso e repleto de problemas. Além dos problemas diários, tinha que resolver as questões políticas, encontrar soluções para situações administrativas que envolviam outros secretários e melindres, conseguir se defender das acusações que estava sofrendo, parecia enlouquecedor.
Conseguir contornar egos é um desafio, qualquer decisão que tomasse iria ferir um aqui e outro ali. A arte da negociação é para poucos, Ernesto era bom nisto. O primeiro e mais importante problema a ser solucionado, era uma crise no alto comando da segurança pública que estava tirando o sono do Governador, cabia a ele equacionar os conflitos  e arrefecer os envolvidos.
No meio político, mais do que em outras áreas, as discussões tem sempre dois lados. As questões partidárias e de território são sempre muito valorizadas. Ao contrário do que deveria ser, nem sempre as atitudes e escolhas tem como foco o bem estar da população, muitas vezes os interesses políticos e partidos se sobrepõe aos interesses da massa.

Ele chamou o alto escalão da Segurança Pública e tentou exaustivamente contornar os problemas existentes entre o secretário da pasta e os comandos das policias, militar e civil. Nem parecia que estavam todos no mesmo barco, eram trocas de acusações e farpas para todos os lados. O principal motivo, o novo comandante da Polícia Militar chegou promovendo uma limpeza no seu efetivo, em 1 mês tinha prendido mais de 100 policiais corruptos. Causando certo descontentamento dentro da corporação. Dentro da Policia Civil a falta de efetivos era o maior problema, os casos de corrupção interna que vinham sendo investigados a todo vapor estavam sendo deixados de lado, com desculpa de número insuficiente de pessoal, para o Secretário de Estado, uma desculpa para acobertar os corruptos que se escondem atrás dos distintivos e coletes.
A pressão era grande, queriam a cabeça do Secretário que por sua vez queria trocar os dois comandos. A posição do Governador era de manter todos e melhorar o relacionamento, ele sabia que todos tinham  certa razão e que mediar um acordo entre eles era menos danoso no momento político que enfrentava. Ernesto tinha esta tarefa para cumprir. Em 30 minutos de reunião, houve só trocas de acusações e exposições dos pontos fracos de um e outro. Para tentar equacionar a situação, Ernesto podia fazer concessões  e as fez.
Determinou a abertura de novos concursos para aumentar o efetivo da policia civil, melhorias nos benefícios e investimento em novos equipamentos. A polícia militar, também receberia novos equipamentos e, finalmente,  um projeto de lei propondo   que as armas apreendidas pudessem ser utilizadas pelas policias seria enviado para a Assembléia.  O Secretário da pasta deveria diminuir os índices de criminalidade, os maiores da última década, e precisava do envolvimento e emprenho de todos. Após estabelecerem prazos e metas, a reunião terminou com um clima menos hostil.

Ernesto saiu exausto, pensando em como conduzir os problemas com Augusto. Tinha que pensar em alternativas rápidas, como precisava conversar com sua antiga parceira ele decidiu ir até a região. Nada melhor do que uma conversa franca  e cara a cara. 

quarta-feira, 2 de março de 2016

CAPÍTULO II A festa continua


Alguns saem à francesa. Preferem não permanecer na parte mais quente da festa. Depois de  certa hora, o clima esquenta, todos já dançam sem se preocupar com o ridículo. A sensualidade se espalha, algumas pessoas se aproveitam para conseguir pequenos favores, outros apenas se divertem. Fotos são proibidas, melhor não haver registro destes momentos.
As decisões que foram tomadas antes são cochichadas aqui e ali. Um diz que saiu vitorioso porque conseguiu finalizar uma negociação de meses, outro que conseguiu liberar um processo que se arrastava e outro diz que tem uma promessa de trabalho. Assim, cada um do seu modo, conta uma vantagem. Entre uma bebida e troca de caricias, alguns arriscam outras negociações.
Neste contexto está Fabrício, um jovem promissor e extremamente sedutor que sabe usar seus encantos como ninguém. Ele mantém quase todas as assessoras de “seus padrinhos” fieis aos seus “sonhos”. Com chances de galgar o cargo de prefeito de Felicidade, tem seu foco no apoio das principais lideranças de seu partido.
Fabrício se jogou na pista de dança e logo foi fisgado por uma modelete que fora convidada por um de seus padrinhos. Ele nunca investia em alguém só para satisfazer seu desejo, sabia que podia conseguir algumas informações preciosas e usaria seu poder de sedução para garantir mais uma fonte.
Naquela festa todos podiam se dar bem, Benito era o típico capacho, vivia das migalhas deixadas pelos outros, sempre na espreita a espera de um político desavisado que pudesse olhar pra aquela figura asquerosa. Ele era um tipo pouco atraente,  andava sempre mau vestido e mau cheiroso, sempre com uma postura de fracassado. Ele é advogado, nunca teve sucesso, tentou a vida política e vive desta sua única tentativa, apesar de já ter passado 10 anos.
Ao ver Benito,  Fabrício decide maneirar porque sabe que pode ser “lembrado” depois do que estava fazendo naquela festa. E Fabrício não era o tipo que ficava nas mãos de ninguém. Ele fez escola com Augusto, que era muito perspicaz e sabia fazer o outro dever algum favor a ele, mas ele jamais devia favores...
Benito não costumava se da bem nas festas, era desprezado porque todos sabiam de sua estória. Ele não convencia ninguém, era o típico mentiroso e tentava enrolar a todos. Acreditava que bajulando um ou outro conseguiria facilitar alguma coisa. Trabalhar não era exatamente algo que ele desejava. Procurava sempre aplicar um golpe que lhe rendesse algum dinheiro para sobreviver por alguns meses.
A casa ampla deixava o som ecoar pela madrugada. As cortinas de seda, os tapetes e os cristais encantavam aos olhos dos mais atentos. A bela casa era de um grande empresário do ramo da construção civil, muito utilizada para reuniões políticas das grandes lideranças da nação. Aquela altura as duas piscinas já estavam movimentadas, a noite de verão convidava a um mergulho.
Entre um whisky, um mergulho e celulares que tocavam na madrugada, os empresários aproveitavam para afinar a conversa com as lideranças políticas, era garantia de uma porta aberta no dia seguinte. E assim a noite seguia.  O momento político era tenso, as eleições estavam se aproximando e muitos interesses estavam em jogo. Alguns eram ambiciosos, tinham pretensões de serem indicados para o senado ou câmara federal, só que nem sempre as pretensões e o estofo político eram compatíveis.
Otelo era um destes casos. Filho de um político conhecido, que fora envolvido em alguns escândalos, tentou a carreira de marketing político, sem ter grande ascensão voltou-se,  como seu irmão, para a política. O perfil de Otelo era de bom moço, sempre submisso a esposa, ao pai e aos irmãos mais velhos. Tinha problemas com sua auto-estima, porque era um homem com um tipo físico que fugia aos padrões estéticos da moda.
Sua retidão de caráter, muitas vezes, era um grande problema para obter espaço no meio político, não era exatamente alguém que pactuava com as amarrações feitas na madrugada, em festas e regada a bebidas, como  a que acontecia naquela noite. Otelo estava na festa porque precisava garantir a indicação de um velho amigo de seu pai. Mesmo contrariado e incomodado, mantinha-se firme ao seu propósito, em seu intimo acreditava ser capaz de fazer a diferença. Diante dos fatos, teria Otelo alguma chance de fazer a diferença?
A madrugada passa rápida e o dia começa a amanhecer. Alguns já se preparam para tomar o café da manhã e seguirem para seus redutos políticos. No jornal da manhã, já aparece uma nota sobre a indicação de um nome para deputado federal, alguns olhares e sorrisos confirmam que a negociação tinha se dado naquela noite, durante a festa.
Ernesto comemora a noticia, o nome sugerido por ele havia sido anunciado como pré-candidato a deputado na região política de Ângelo. Esta era uma grande vitoria, era mais um passo dado para convencer Ângelo a apoiar Saulo.
Ernesto liga para Paulo seu assessor de imprensa.
                _ Cada peça movimentada acertadamente é um avanço. Você foi muito eficiente tornando noticia logo pela manhã.
                _ Usei minha fonte, sempre infalível, respondeu Paulo
                _ Mantenha seus contatos, sabe como são importantes. Parabéns!
Durante o café, Pedro que é o dono da casa, comemora com Ernesto a cartada de mestre dada por ele.
                _ Foi perfeita a sua manobra. Depois desta, o Ângelo entenderá que o melhor é compor, assim todos ficarão confortáveis.
                _ Sabe que com o Ângelo não é assim,  só é bom quando ele dá as cartas. Será uma luta difícil. Ele vai revidar.

Ernesto recebe uma ligação de Ângelo que está possesso com o que aconteceu. Logo diz que não aceitará afrontas deste tipo, mexer no território dele é inadmissível. A discussão é acalorada. Ernesto deixa a mesa de café e vai para o jardim. Tenta amenizar sem sucesso a fúria de Ângelo. Quando caminha de volta para tomar seu café, recebe uma ligação de Gilberto que pede que ele não se meta em discussões desnecessárias com Ângelo, porque ele precisa da liderança dele para a campanha de Governador. Ernesto percebe que foi longe demais.

Livro: Entre o cinza e o vermelho: poder, traição e sedução

Uma noite festiva
Uma festa que se torna o assunto da semana. Uma noite regada a bom whisky e muitas negociações. Jazz e blues, comida de qualidade como foie gras, e o verdadeiro champagne. Mulheres bem vestidas circulam pelas salas da casa imponente e de alto padrão. As conversas são animadas, muitas gargalhadas. As trocas de olhares ou um aceno de cabeça podem significar muito, podem  representar muito.
Uma conversa reservada, entre dois ou três personagens, e um reposicionamento na manhã seguinte, muda o rumo de um país. As negociações são sempre feitas na calada da noite, regada de  boa bebida e  mulheres prontas para atender os desejos daqueles poderosos.
Sempre há uma troca de favores entre eles, um cede aqui e ganha logo ali na frente. As relações entre eles não são de confiança, são baseadas no que cada um pode perder se trair o outro. O jogo é pesado, uma peça movimentada fora de hora e a derrota é certa. Quem tem mais sangue frio e é mais racional tem mais chance de avançar no meio e galgar os altos cargos. Por outro lado, o segundo escalão é feito de pessoas que se submetem aos desejos e imposições dos detentores do poder.
As mulheres que circulam neste ambiente, são quase sempre, do segundo escalão. São poucas as que conseguem abrir espaço no meio, e quase sempre são as que representam as minorias, que as fazem reféns de uma causa e impedem que se  destaquem. Uma ou outra, foge do padrão, pena que não duram muito tempo na mídia.
Os grandes pensadores e analistas, em seus discursos, dizem que a realidade deve mudar, só não identificam uma personalidade capaz de mobilizar a massa para que isto aconteça. Enquanto isto, entre um whisky, uma paixão de uma noite e um aceno de cabeça, as decisões são tomadas, e interferem na vida de milhares de pessoas, que não fazem a menor ideia do que esta acontecendo enquanto elas dormem em seus lares, com suas famílias.
Muitos copos de whisky e muitas gargalhadas, até a decisão final. Ernesto precisa convencer Augusto de que o melhor é apoiar Saulo como representante do grupo político deles na negociação, que poderá abrir uma investigação, que causará problemas para muitos dos presentes naquela festa.
Augusto e Ernesto, já foram grandes amigos e parceiros de festas em alto mar, regada a muita bebida e mulheres. Só que no momento, a relação entre eles é  fria e repleta de recalques, causados por uma apunhalada proferida por Ernesto. Augusto só queria uma coisa, que todas as suas vontades fossem atendidas.  A negociação era simples, bastava o seu interlocutor aceitas suas exigências e tudo estava certo.            
Ernesto apelou para o bom senso e para algumas trocas possíveis, liberações de processos e projetos que estavam empoeirando em gavetas, diante da burocracia que emperra os serviços públicos.  Augusto resistiu e disse que tinha outro candidato. Na realidade, ele e Saulo atravessam um momento de distanciamento, em função de discordância que resultou na ausência de votos para Júlio, fazendo Augusto amargar sua primeira derrota.
Augusto decidiu apoiar  Benicio, que apesar de representar a mesma ideologia política tem uma visão menos preservacionista dos seus pares. Para Benicio, aquele que tiver problemas que os resolva. E naquele momento, este pensamento, ia de encontro com o de Augusto. Já que Ernesto parecia estar na berlinda, sendo citado numa das gravações que envolvia um de seus colaboradores.
Já é madrugada, as disputas estão acirradas, de cadeiras em comissões, as mulheres que desfilam pelos salões. Gilberto é sempre reservado e mantêm uma distância segura de problemas, sejam eles políticos ou pessoais, é uma liderança regional que está num alto cargo e que mantém uma vida familiar e profissional distinta e simples. Um homem sério, que sabe muito bem reverter uma situação desfavorável, como poucos. 
Ele apenas observa todos os movimentos enquanto circula pelos vários grupos que se formam por aquelas salas. Ele observa a todos, ouve a todos e nunca fica até muito tarde. Antes de sua saída discreta, chama Ernesto e diz o que precisa fazer e com quem falará. Ernesto nem sempre concorda, mas sempre segue as determinações de Gilberto.
A festa estava animada, depois de muitas gargalhadas e muitas discussões, Ernesto e Augusto não chegaram a um acordo. Ernesto conhece alguém que é próxima de Augusto, ele a  chama e pede sua ajuda. Ela reluta porque sabe que é muito difícil demove-lo de uma decisão já tomada. Ernesto insiste, sabe que a amizade deles incomoda Augusto e usa isto para criar uma situação desgastante e alcançar seus objetivos.

Depois das 2 horas da madrugada, as decisões importantes dão espaço a curtição. Muitas risadas, olhares insinuantes e contatos trocados e encontros marcados. Agora a festa começa...