Parte VI
Como é difícil entender aquele
casmurro ser. Clara acredita que ele vai romper o medo e se entregar àquele
sentimento que os une e os afasta. Ela
não entende como fora capaz de amar tanto, de desejar tanto...
_ Parece castigo, acreditei que
nunca mais amaria alguém assim. _ Diz
Clara em voz alta.
Ela escolhe uma roupa, pensa em
algo que a deixe sensual, apesar da inconstância dele procura sempre surpreendê-lo.
Aquele sentimento estava por deixa-la sem rumo, como se todas suas crenças
fossem derrubadas.
Ela segue para o trabalho,
algumas mudanças de plano a deixam sozinha por horas.
“Será que em algum momento aquele
barco de metal desbravaria o recife do medo? O amor é capaz de vencer
barreiras, mas seria suficiente para ele lutar pelo que sente?
Um homem preso as amarras de seus
conceitos e preconceitos, que não se permite, dificilmente viveria um amor
tórrido.
Gum, o casmurro capitão daquele
barco que não zarpava havia muito tempo de seu porto, não seria capaz de arriscar-se
e desbravar novos mares”
O tempo é curto e logo, Clara é
interrompida e chamada para realidade.
A paixão é uma fase que passa e
muda tudo abruptamente, aquele desejo ardente, aquela sensação mágica de que
estar ao lado do outro é o suficiente para ser feliz, muda. Já o amor ele
completa, é um bem querer sem cobranças, sem desejo de monopolizar o
outro. Ele entendia o amor como uma
relação onde havia um dominante, ele, e o dominado, no caso a Clara. Só que
nesse caso o dominado não precisava tanto do outro, como desejava o dominador,
que estava sempre insatisfeito, desejava ter suas vontades atendidas e tinha um
lado narcisista que precisava ser idolatrado. Gum não percebia que o dominador
se tornava obsessivo e que a postura de domínio dele provocava uma asfixia em
Clara.
Naquele momento, a relação deles
enfrentava uma tormenta. Clara, o desejava por tudo aquilo que ele não era e
por tudo que ele representava de novo para ela. Gum a desejava, talvez, por ela
estar perto demais e por saber que outros também a desejavam. Será que Gum
estava apenas exercitando seu lado de macho alfa?
Clara deveria aniquilar aquele
sentimento e partir para outros mares. Ela sabia que tinham outros olhares que
a cobiçavam, não fazia sentido ficar parada naquele porto, esperando que aquele
capitão do barco que não zarpava, tomasse uma decisão.
Clara, sai para almoçar com Gum.
Eles estão acompanhados de um amigo, o comportamento dos dois é de casal, todos
diziam isso, que se comportavam como um casal, só que não eram exatamente um
casal. Eram duas pessoas que lutavam contra seus medos e inseguranças, tentando
sufocar os sentimentos, desejos e amor que alimentavam um pelo outro. O orgulho
vencia.
“Nesses
momentos de dúvida, ele saia para o mar. Ali encontrava conforto e quietude
para suas angustias, aquele contato homem-natureza, o acalmava. Ele sempre
gostou da simplicidade da vida. Os cabelos grisalhos e o rosto fino, um tanto flácido
e cinzento carregavam as sombras das tormentas que ele trazia em seu amago.
Apesar do corpo dar sinais de sua idade, tinha uma presença robusta e ereta, o
olhar amargo, a aparência desleixada, as rugas e sulcos, os cabelos
despenteados e as roupas que ele vestia, demonstravam que o tempo havia
passado.
Ele
desejava beija-la ardente e efusivamente. Ela era a mulher que ele desejava.
_
Como quero tê-la em meus braços... – Diz em voz alta.
_
Quem você quer em seus braços? – pergunta Clara, que chega deixando Gum atônito.
_
Não vi você chegando, o que aconteceu?
_
Você não respondeu minha pergunta. – Diz Clara, olhando fixamente para Gum.
_
Não sei do que você está falando. Se veio até aqui é porque precisa conversar
sobre alguma coisa, o que é?
Clara
sorri e diz:
_
Claro, você quando se sente acuado reage sempre da mesma forma.
Gum
a olha e pensa em resolver aquele desejo. – Vou esquecer todas as minhas
frustrações do passado e me entregar. As
velas do barco batem com o vento que sopra, provocando um arrepio pelo corpo dele.
Ele sentiu muito medo, ficou paralisado.
Clara
o admirava, percebendo que havia um sofrimento, uma guerra interna em
andamento.
_
Sabe o que quero?
_
Não, mas adoraria saber. _ responde Clara.
_
Quero...
Gum
se aproxima de Clara, toca seu rosto levemente e a beija ardentemente. Os dois
se entregam ao desejo...
_
Não sei mais como fazer. É maçante a minha tentativa de esconder o que desejo,
quando acordo, lembro de você. Quando me deito a noite, lembro de você. Pobre
de mim, que sofro calado e que sinto tanto desejo. E me obrigo a manter as
aparências.
_
Quero gritar para todos que a amo.
Um
som alto no convés, rompeu o sonho dele. Ao longe, ele fitou aqueles olhos
admiráveis e felizes que percorreram seu corpo até encontrar com os olhos
pequenos e apertados. Eles se abraçaram e Gum rouba-lhe um beijo. Ela ri
gostosamente e o abraça novamente.
_
Você é o resmungão mais adorável que conheço. – Diz rindo e brincando com ele.
_ Devo dizer que tem quem goste.
_Sério?
Quem?
_
Você... – Diz Gum”.
Clara
olha para sala e o silencia a toca profundamente, ela se senta defronte de seu
notebook e pensa em reescrever aquela história de amor, que naquele momento
está mais para desamor.
O
difícil quando se ama é perceber que a relação chegara ao fim, a dor da ruptura
é tão grande quanto a dor do desamor... Não há culpados. Uma ruptura pode ser o
início de momentos felizes, não antes de uma boa dose de sofrimento. Podem duas
pessoas estarem predestinadas uma para outra? Pode o amor vencer o orgulho e as
barreiras internas de alguém cheio de amarras?
Não
sei responder, só sei que amo... Como são doces os beijos roubados.
Claudia Paschoal
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