A rua que levava a
sua casa era muito tranquila exceto pelo cantarolar dos pássaros, que
alegravam a todos os passantes. A casa vermelha sempre com vida, agora estava
desabitada, sem alma. Já que sua alma não estava mais naquela casa. Aquele
silêncio que sempre buscou gritara em seus ouvidos, e o eco fizera sua alma
vibrar.
Uma casa de dois
andares, ocupada por pensamentos inquietantes, que bloqueavam a liberdade. As outras
residências, conscientes das vidas que abrigavam, observam o desbotar da
fachada.
O vermelho vivo
agora desgastado, castigado pelo sol, já não vibrava mais como outrora. Pensou:
nada tinha o mesmo brilho, nem seus olhos, nem sua vida, nem seus desejos mais
secretos.
O
antigo morador daquela casa vermelha era um homem vibrante, ardente, que tinha
amor pela vida. Nos cômodos sem vida, um
odor de morte. A casa sempre iluminada, estava fechada, sem vida e sem cor. Os
papeis espalhados por todos os lados, demonstravam que a desordem ia além do
pensamento, refletia no cotidiano da casa. A casa é um reflexo do estado de
espirito de seu morador, então fazia sentido o vermelho sem vida, a desordem
dos papeis, as plantas sem viço. Era exatamente assim que ele se sentia, sem
cor, sem vida e em desordem.
Olhou
para um livro na estante, cheirava mofo. Folheou alguns e entre as páginas
amareladas encontrou uma carta-desabafo, escrita por sua esposa. Minha esposa,
como posso me referir a ela assim, pensou.
Acreditou que ler seria algo prazeroso, mais na verdade não conseguia deixar
a primeira página, seus pensamentos o levavam para longe da estória. Pensava apenas
no seu casamento desfeito e nas decepções acontecidas. Alguém já havia dito que
ele estava apenas mudando a atriz principal, no entanto, o enredo era mantido,
mais ele discordou, o cenário era pior, porque ele não conhecia aquela nova
pessoa.
O
quintal era amplo, muitas arvores haviam sido plantadas por ele. Lembrava de
cada árvore que cultivava. Tinha árvores frutíferas arbustos e muitas plantas
ornamentais. O quintal estava abandonado, já não passava mais as tardes
cuidando de suas plantas, fitando o por do sol de sua ampla varanda. Lembrou-se
de quantas noites passará a observar a luz do luar.
O inverno havia
chegado. Os dias mais curtos e longas noites, nunca haviam sido tão longas as
noites de inverno. Quando saía na varanda para olhar o luar, a noite era fria,
a rua escura. As casas distantes
mergulhadas nas sombras e na névoa. O céu era de azul profundo e as estrelas
cintilavam, as luzes das lanternas do jardim mostravam a luz pálida. Um vento
gélido envolveu-o, sentiu-se meio sem vida, um calafrio percorreu todo seu
corpo.
O canto das aves
noturnas ecoava e encontrava o murmurar da mata, que tocava as arvores. O brilho da noite conduzia seus pensamentos
pelas lembranças do passado e pelo medo do que o presente e o futura lhe
apresentavam. Aventurando-se em imaginar o que seria sua vida dali em diante.
Viu-se num mundo sombrio, sem cor, sem vida.
Pensou: _ Foi minha
a escolha, desejei isso, esperei, e minha espera foi longa. Como posso ter medo
do novo? Redirecionou seu pensamento... Pensou no futuro colorido, iluminado e
florido, se viu na casa vermelha com sua nova amada, vivendo feliz. Mais o medo invadia-lhe a alma, como se algo
dissesse que não seria assim... Seria medo por não saber nada de sua nova
amada? Ou medo de viver longe daquela com que construiu sua vida, dividiu dores
e alegrias, sonhos e desejos?
Ao retornar à sua
casa, a luz da cozinha estava acesa, lembrou-se de quantas vezes haviam cozinhado
juntos e preparados pratos deliciosos, entre beijos e carícias ardentes.
Escondeu o rosto entre suas mãos, o sentimento de solidão afligiu-lhe a
alma. Observava a noite e perscrutava a
rua, que insistia em estar silenciosa. Dirigiu-se a escada, fitou a sala vazia,
e decidiu ir para seu quarto. Ela não esperava por ele. Nem ela, nem ninguém.
Pensou no que ela estaria fazendo naquele instante, se estaria relembrando dos
momentos que haviam vivido juntos, ou se queria esquecer cada minuto. A silhueta de seu corpo recortava-se na luz
do abajur. Ela relutava sempre antes de se entregar e ele ficava
contemplando-a. A lingerie estava sobre a cama, viu seu corpo vibrando, não era
ela e sim seu novo amor. Fechou os olhos e se deu conta de que estava só.
Todas as manhãs,
sentava-se na varanda para avistar o despontar do sol sobre o mar. Era
privilegiado e sabia disso. Naquela manhã decidiu levantar a cortina apenas alguns centímetros a fim de que ninguém pudesse descobri-lo e admirou o mar de
sua cama. Seu coração disparou ao ouvir a sua voz, ao vê-la surgir à porta.
Achou que era sonho... Ela estava ali, seu olhar era distante e frio. Ele
entendeu que a conversa seria difícil. Correu para aprontar-se e desceu, ela
estava a sua espera. O olhar dele era de carinho e o dela de frieza. A conversa
foi longa, difícil. Muitas cobranças, sonhos perdidos, tempo perdido, desejos e
cicatrizes. As marcas seriam para sempre, no corpo e na alma. Ela tinha muitas
marcas, feitas pela indiferença e mentiras dele. As marcas que ela havia
deixado eram pequenas, e muitas feitas pelo remorso que ele sentia, pelas
mentiras contadas. Ela se foi como chegou. Ele nunca pensou que ela seria tão
silenciosa, discreta e serena. Conservava sua figura frágil.
A imagem dela naquela
manhã o acompanhara mesmo nos lugares menos românticos. Naquela noite de
sexta-feira, decidiu aventurar-se num outro encontro, com outra pessoa que
fazia parte de sua história, alguém por quem já havia se apaixonado e se
desencantado. A noite foi agradável, a conversa era sempre muito interessante,
mas quando os corpos se tocaram ele percebeu que não havia espaço para mais
uma. Lembrava de sua esposa e de sua amada. E ficou distante, não conseguiu dar
ou sentir prazer. Desculpou-se e foi embora.
Caminhava pelas ruas
iluminadas, a procura de uma resposta para seus sentimentos, suas duvidas. Se
ele amara aquela nova pessoa porque teria ido até a casa de outra, que
sentimento era aquele? Outrora, essa pessoa já havia feito seu corpo vibrar de
desejo, e ele não conseguira amá-la. Decidiu que nunca mais estaria com ela,
porque não queria sofrer novamente, todo homem sofre quando a entrega não é
total.
Os ruídos da cidade
convergiam num único desejo: imaginava estar no silêncio de sua casa vermelha,
conduzindo sua vida, sendo dono de si. Desejou tanto essa paz, a liberdade,
agora o silêncio lhe causava uma profunda dor n’alma. Certos momentos, a imagem
de sua nova amada surgia no espelho, nas janelas envidraçadas. Nunca havia sido
religioso, mais agora rogava para que tudo aquilo não houvesse sido em
vão.
Seus olhos encheram
de lagrimas e um calor invadiu seu corpo, um sentimento transbordou-lhe o
peito. Pouco preocupava-se com o futuro longínquo. Não sabia se iria ou não ficar com ela e, se
não ficasse, certamente encontraria outro alguém. Seu corpo, vibrava e decidiu
que a espera chegara ao fim.
Naquela noite, foi
ter com sua nova amada. Era uma noite chuvosa e a casa estava em completo
silêncio. Através da vidraça, via a chuva a escorrer e sua imagem se
desfigurar, lembrou da noite com sua esposa na qual não havia tido coragem para
terminar tudo. Ouvia a chuva bater contra a terra, nas folhas das plantas e na
piscina. Bem longe, brilhavam as luzes da cidade, que podia avistar do outro
lado do mar. O amor era um sentimento capaz de fazê-lo perder o sentido, de
desfalecer. Seu corpo sentiu o medo, seu coração pulsava, suas mãos estavam
tremulas e frias.
Afinal, ela estava ali. Era a
primeira vez que ele a levava a casa vermelha, sentia-se um traidor, porque os
objetos de sua esposa ainda estavam lá. Mais precisava fazer aquilo, tinha que
ter a certeza de que seria capaz de amar outra mulher. Ofereceu-lhe um vinho,
ela costumava tomar destilados. Uma situação inusitada para ele. Não sabia o
que responder. Preparou-lhe uma dose de Whisky. Ela disse que adoraria conhecer toda a casa.
Ele não pretendia levá-la até seus aposentos.
— E por que não? — perguntou.
Enquanto falava, ele
desejava não estar ali. Não poderia porque os pertences de sua esposa estavam
espalhados pelo quarto. A lingerie da última noite estava sobre os lençóis.
Pensara como podia ter sido tão tolo. Nesse momento, seu telefone toca um
alívio. Ela se mostrara desejosa, inclinando seu corpo na direção do dele. A
luz do abajur iluminava seu corpo.
— Vamos subir — afirmou ela.
— Desculpe-me. Não posso fazer isso.
Antes
daquela noite, acordava, sonhava durante todo o dia com ela. Que loucas e eternas fantasias consumiram
seus pensamentos a partir da noite que a tivera em seus braços!
Queria findar com aquela interminável espera. O trabalho, os deveres tudo que fazia
era pensando nela. À noite, no quarto, durante o dia, na rua, sua imagem
inundava seus olhos, sua alma vagava
pela luxuria. Pensou se seria amor
verdadeiro ou uma simples paixão, daquelas arrebatadoras que fazem um homem
perdesse, e que passam como chegam. Não conseguia, ordenar seus pensamentos
errantes. Mal conseguia suportar os deveres cotidianos que interpunham-se entre ele e seu desejo.
O frio
naquela manhã era implacável e seu coração estava receoso. Sentia que o mau
humor imperava, estava desanimado. Não poderia vê-la naquele sábado. Ela estava viajando e não havia
chegado na hora combinada. Ainda era cedo. Ficou no sofá deitado, a música
tocava e fazia-o relembrar de momentos únicos, das loucas fugas para estar com
ela, como havia se arriscado. O tic-tac
do relógio estava deixando-o irritado. Devaneios. Subiu a escada e ganhou o andar superior da
casa. Os cômodos frios, desertos e escuros aumentaram a tensão. Da janela do
quarto, avistou a lua que tocava o mar. Apertando a testa contra o vidro
gélido, olhou para a escuridão da noite. Deve ter ficado, ali quase uma hora,
vendo apenas, retida na memória, sua imagem, tocada de leve pela luz do abajur.
Ao descer,
encontrou-se com a solidão e a espera implacável e interminável daquela noite
fria e sombria. Sentia que não poderia mais esperar. Começou andar pela sala.
— Talvez tivesse que desistir.
Às onze horas, ouviu
o ruído do telefone. Escutou a explicação pelo atraso. Sabia interpretar esses sinais.
Ele tinha certeza
que ela já o havia feito esperar muito tempo. Na verdade ele também havia a
feito esperar, durante muito tempo. Às
vezes a longa espera, provoca uma ruptura. Teria ele se enganado... Recordando
com dificuldade o motivo que o fizera esperar tanto, percebeu que sua presença
nem sempre despertava os sentimentos que esperava.
Deixou-se levar,
estava profundamente envolvido, não podia arriscar-se, era deveras tarde
demais. Embora soubesse que era uma atitude inútil, permaneceu algum tempo
diante da vidraça. A chuva distorcia sua imagem, e ele não se reconhecia.
Finalmente, voltou-se para si mesmo, entendeu que sua procura era pela paz
interior. E a espera era pela paz em seu
coração, e isso dependia sim do amor que procurava encontrar...
Claudia
Paschoal