domingo, 7 de abril de 2013

A espera...


                  

A rua que levava a sua casa era muito tranquila  exceto pelo cantarolar dos pássaros, que alegravam a todos os passantes. A casa vermelha sempre com vida, agora estava desabitada, sem alma. Já que sua alma não estava mais naquela casa. Aquele silêncio que sempre buscou gritara em seus ouvidos, e o eco fizera sua alma vibrar.
Uma casa de dois andares, ocupada por pensamentos inquietantes, que bloqueavam a liberdade. As outras residências, conscientes das vidas que abrigavam, observam o desbotar da fachada.
O vermelho vivo agora desgastado, castigado pelo sol, já não vibrava mais como outrora. Pensou: nada tinha o mesmo brilho, nem seus olhos, nem sua vida, nem seus desejos mais secretos.
O antigo morador daquela casa vermelha era um homem vibrante, ardente, que tinha amor pela vida.  Nos cômodos sem vida, um odor de morte. A casa sempre iluminada, estava fechada, sem vida e sem cor. Os papeis espalhados por todos os lados, demonstravam que a desordem ia além do pensamento, refletia no cotidiano da casa. A casa é um reflexo do estado de espirito de seu morador, então fazia sentido o vermelho sem vida, a desordem dos papeis, as plantas sem viço. Era exatamente assim que ele se sentia, sem cor, sem vida e em desordem.

Olhou para um livro na estante, cheirava mofo. Folheou alguns e entre as páginas amareladas encontrou uma carta-desabafo, escrita por sua esposa. Minha esposa, como posso me referir a ela assim, pensou.  Acreditou que ler seria algo prazeroso, mais na verdade não conseguia deixar a primeira página, seus pensamentos o levavam para longe da estória. Pensava apenas no seu casamento desfeito e nas decepções acontecidas. Alguém já havia dito que ele estava apenas mudando a atriz principal, no entanto, o enredo era mantido, mais ele discordou, o cenário era pior, porque ele não conhecia aquela nova pessoa.

O quintal era amplo, muitas arvores haviam sido plantadas por ele. Lembrava de cada árvore que cultivava. Tinha árvores frutíferas  arbustos e muitas plantas ornamentais. O quintal estava abandonado, já não passava mais as tardes cuidando de suas plantas, fitando o por do sol de sua ampla varanda. Lembrou-se de quantas noites passará a observar a luz do luar.

O inverno havia chegado. Os dias mais curtos e longas noites, nunca haviam sido tão longas as noites de inverno. Quando saía na varanda para olhar o luar, a noite era fria, a rua escura.  As casas distantes mergulhadas nas sombras e na névoa. O céu era de azul profundo e as estrelas cintilavam, as luzes das lanternas do jardim mostravam a luz pálida. Um vento gélido envolveu-o, sentiu-se meio sem vida, um calafrio percorreu todo seu corpo.
O canto das aves noturnas ecoava e encontrava o murmurar da mata, que tocava as arvores.  O brilho da noite conduzia seus pensamentos pelas lembranças do passado e pelo medo do que o presente e o futura lhe apresentavam. Aventurando-se em imaginar o que seria sua vida dali em diante. Viu-se num mundo sombrio, sem cor, sem vida.
Pensou: _ Foi minha a escolha, desejei isso, esperei, e minha espera foi longa. Como posso ter medo do novo? Redirecionou seu pensamento... Pensou no futuro colorido, iluminado e florido, se viu na casa vermelha com sua nova amada, vivendo feliz.  Mais o medo invadia-lhe a alma, como se algo dissesse que não seria assim... Seria medo por não saber nada de sua nova amada? Ou medo de viver longe daquela com que construiu sua vida, dividiu dores e alegrias, sonhos e desejos?
Ao retornar à sua casa, a luz da cozinha estava acesa, lembrou-se de quantas vezes haviam cozinhado juntos e preparados pratos deliciosos, entre beijos e carícias ardentes. Escondeu o rosto entre suas mãos, o sentimento de solidão afligiu-lhe a alma.  Observava a noite e perscrutava a rua, que insistia em estar silenciosa. Dirigiu-se a escada, fitou a sala vazia, e decidiu ir para seu quarto. Ela não esperava por ele. Nem ela, nem ninguém. Pensou no que ela estaria fazendo naquele instante, se estaria relembrando dos momentos que haviam vivido juntos, ou se queria esquecer cada minuto.  A silhueta de seu corpo recortava-se na luz do abajur. Ela relutava sempre antes de se entregar e ele ficava contemplando-a. A lingerie estava sobre a cama, viu seu corpo vibrando, não era ela e sim seu novo amor. Fechou os olhos e se deu conta de que estava só.
Todas as manhãs, sentava-se na varanda para avistar o despontar do sol sobre o mar. Era privilegiado e sabia disso. Naquela manhã decidiu levantar a cortina apenas alguns centímetros a fim de que ninguém pudesse descobri-lo e admirou o mar de sua cama. Seu coração disparou ao ouvir a sua voz, ao vê-la surgir à porta. Achou que era sonho... Ela estava ali, seu olhar era distante e frio. Ele entendeu que a conversa seria difícil. Correu para aprontar-se e desceu, ela estava a sua espera. O olhar dele era de carinho e o dela de frieza. A conversa foi longa, difícil. Muitas cobranças, sonhos perdidos, tempo perdido, desejos e cicatrizes. As marcas seriam para sempre, no corpo e na alma. Ela tinha muitas marcas, feitas pela indiferença e mentiras dele. As marcas que ela havia deixado eram pequenas, e muitas feitas pelo remorso que ele sentia, pelas mentiras contadas. Ela se foi como chegou. Ele nunca pensou que ela seria tão silenciosa, discreta e serena. Conservava sua figura frágil.
A imagem dela naquela manhã o acompanhara mesmo nos lugares menos românticos. Naquela noite de sexta-feira, decidiu aventurar-se num outro encontro, com outra pessoa que fazia parte de sua história, alguém por quem já havia se apaixonado e se desencantado. A noite foi agradável, a conversa era sempre muito interessante, mas quando os corpos se tocaram ele percebeu que não havia espaço para mais uma. Lembrava de sua esposa e de sua amada. E ficou distante, não conseguiu dar ou sentir prazer. Desculpou-se e foi embora.
Caminhava pelas ruas iluminadas, a procura de uma resposta para seus sentimentos, suas duvidas. Se ele amara aquela nova pessoa porque teria ido até a casa de outra, que sentimento era aquele? Outrora, essa pessoa já havia feito seu corpo vibrar de desejo, e ele não conseguira amá-la. Decidiu que nunca mais estaria com ela, porque não queria sofrer novamente, todo homem sofre quando a entrega não é total.
Os ruídos da cidade convergiam num único desejo: imaginava estar no silêncio de sua casa vermelha, conduzindo sua vida, sendo dono de si. Desejou tanto essa paz, a liberdade, agora o silêncio lhe causava uma profunda dor n’alma. Certos momentos, a imagem de sua nova amada surgia no espelho, nas janelas envidraçadas. Nunca havia sido religioso, mais agora rogava para que tudo aquilo não houvesse sido em vão. 
Seus olhos encheram de lagrimas e um calor invadiu seu corpo, um sentimento transbordou-lhe o peito. Pouco preocupava-se com o futuro longínquo.  Não sabia se iria ou não ficar com ela e, se não ficasse, certamente encontraria outro alguém. Seu corpo, vibrava e decidiu que a espera chegara ao fim.
Naquela noite, foi ter com sua nova amada. Era uma noite chuvosa e a casa estava em completo silêncio. Através da vidraça, via a chuva a escorrer e sua imagem se desfigurar, lembrou da noite com sua esposa na qual não havia tido coragem para terminar tudo. Ouvia a chuva bater contra a terra, nas folhas das plantas e na piscina. Bem longe, brilhavam as luzes da cidade, que podia avistar do outro lado do mar. O amor era um sentimento capaz de fazê-lo perder o sentido, de desfalecer. Seu corpo sentiu o medo, seu coração pulsava, suas mãos estavam tremulas e frias.
Afinal, ela estava ali. Era a primeira vez que ele a levava a casa vermelha, sentia-se um traidor, porque os objetos de sua esposa ainda estavam lá. Mais precisava fazer aquilo, tinha que ter a certeza de que seria capaz de amar outra mulher. Ofereceu-lhe um vinho, ela costumava tomar destilados. Uma situação inusitada para ele. Não sabia o que responder. Preparou-lhe uma dose de Whisky.  Ela disse que adoraria conhecer toda a casa. Ele não pretendia levá-la até seus aposentos.
— E por que não? — perguntou.
Enquanto falava, ele desejava não estar ali. Não poderia porque os pertences de sua esposa estavam espalhados pelo quarto. A lingerie da última noite estava sobre os lençóis. Pensara como podia ter sido tão tolo. Nesse momento, seu telefone toca um alívio. Ela se mostrara desejosa, inclinando seu corpo na direção do dele. A luz do abajur iluminava seu corpo.
— Vamos subir — afirmou ela.
— Desculpe-me. Não posso fazer isso.
Antes daquela noite, acordava, sonhava durante todo o dia com ela.  Que loucas e eternas fantasias consumiram seus pensamentos a partir da noite que a tivera em seus braços!

Queria findar com aquela interminável espera. O trabalho, os deveres tudo que fazia era pensando nela. À noite, no quarto, durante o dia, na rua, sua imagem inundava seus olhos, sua  alma vagava pela luxuria.  Pensou se seria amor verdadeiro ou uma simples paixão, daquelas arrebatadoras que fazem um homem perdesse, e que passam como chegam. Não conseguia, ordenar seus pensamentos errantes. Mal conseguia suportar os deveres cotidianos que interpunham-se  entre ele e seu desejo.

O frio naquela manhã era implacável e seu coração estava receoso. Sentia que o mau humor imperava, estava desanimado. Não poderia vê-la naquele sábado.  Ela estava viajando e não havia chegado na hora combinada. Ainda era cedo. Ficou no sofá deitado, a música tocava e fazia-o relembrar de momentos únicos, das loucas fugas para estar com ela, como havia se arriscado.  O tic-tac do relógio estava deixando-o irritado. Devaneios.   Subiu a escada e ganhou o andar superior da casa. Os cômodos frios, desertos e escuros aumentaram a tensão. Da janela do quarto, avistou a lua que tocava o mar. Apertando a testa contra o vidro gélido, olhou para a escuridão da noite. Deve ter ficado, ali quase uma hora, vendo apenas, retida na memória, sua imagem, tocada de leve pela luz do abajur.
Ao descer, encontrou-se com a solidão e a espera implacável e interminável daquela noite fria e sombria.  Sentia que não poderia mais esperar. Começou andar pela sala.
— Talvez tivesse que desistir.
Às onze horas, ouviu o ruído do telefone. Escutou a explicação pelo atraso.  Sabia interpretar esses sinais.
Ele tinha certeza que ela já o havia feito esperar muito tempo. Na verdade ele também havia a feito esperar, durante muito tempo.  Às vezes a longa espera, provoca uma ruptura. Teria ele se enganado... Recordando com dificuldade o motivo que o fizera esperar tanto, percebeu que sua presença nem sempre despertava os sentimentos que esperava.
Deixou-se levar, estava profundamente envolvido, não podia arriscar-se, era deveras tarde demais. Embora soubesse que era uma atitude inútil, permaneceu algum tempo diante da vidraça. A chuva distorcia sua imagem, e ele não se reconhecia. Finalmente, voltou-se para si mesmo, entendeu que sua procura era pela paz interior.  E a espera era pela paz em seu coração, e isso dependia sim do amor que procurava encontrar...



Claudia Paschoal